2007-05-01 03:34:00
Em comemoração ao Dia do Trabalhador, 1º de maio, o site Dourados News entrevistou a consultora do Centro Regional de Saúde do Trabalhador (CEREST) de Dourados, Glória Eunice Nunes Pereira. Habilitado desde 2003 para funcionar no município, o CEREST tem atendido os trabalhadores na prevenção de doenças, encaminhando os casos mais drásticos para a rede pública de saúde e ainda orientando as empresas sobre a saúde de seus funcionários. Hoje em Dourados, além da Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e do Distúrbio Ósteo Muscular Relacionado ao Trabalho (DORT), o assédio moral também aparece como uma das doenças que mais afeta a saúde do trabalhador. Neste caso, Glória culpa o sistema e diz que o problema é cultural, já que aparece desde a escola quando o aluno é forçado a competir com os colegas para ser o melhor da turma. Ela fala em sérios danos psíquicos e sofrimento. Glória Eunice destaca que o trabalho escravo nos canaviais, feito inclusive com os índios, pode mudar o perfil do atendimento prestado pelo programa e, no final da entrevista, lembra o nome do presidente Lula por ter tido o “olhar” para a saúde do trabalhador brasileiro com a implantação do CEREST.
Qual o objetivo do CEREST?
É articular forças que dialogam com os trabalhadores, como o movimento sindical, o INSS, o Comitê Regional do Trabalho, o Ministério Público Federal do Trabalho, mas nosso maior objetivo é a prevenção.
Mas há atendimento?
Sim. A pessoa passa por uma equipe multidisciplinar, uma triagem, auxiliar de enfermagem, assistente social, psicóloga e há encaminhamento para a rede pública de saúde. Nosso objetivo não é assistência, que deve ser dado pela rede, nós fazemos a assistência mas como forma de sondagem se a doença ou o acidente do trabalhador tem relação com o trabalho. A partir daí há um relatório da pessoa, avaliado inclusive em uma reunião que acontece semanalmente. Aqui olhamos o trabalhador na sua integralidade e sempre perguntamos se onde ele trabalha existem pessoas com o mesmo problema.
E geralmente existem?
Geralmente, sim. Se o trabalhador disse que tem colegas de trabalho que sofrem do mesmo problema, nós fazemos uma visita na empresa. Quando a empresa não permite, a gente chama os responsáveis para participarem de oficinas juntamente com o Sindicato da categoria e o Ministério do Trabalho, enfim, todos os atores envolvidos no processo do adoecimento do trabalhador.
Dá pra citar exemplos?
Por exemplo, tem uma empresa aqui em Dourados onde os funcionários trabalhavam no Sol e sangrando porque tinham alergia. Entrou nesse processo a Vigilância Sanitária para autuação e o CEREST de Campo Grande, depois disso melhorou a relação de trabalho nessa empresa. Também fazemos mesa redonda juntamente com o Ministério do Trabalho, mas fundamentalmente, nós trabalhamos com o depoimento dos trabalhadores que não têm seus nomes divulgados.
Quem mais procura o CEREST e quais as doenças que mais aparecem?
Os trabalhadores do comércio, principalmente as operadoras de caixa, ensacadores e auxiliares de limpeza, dos frigoríficos como Seara e Avipal e da construção civil. Geralmente, esses trabalhadores sofrem de LER, DORT e passam por transtornos psíquicos devido ao assédio moral. Inclusive, nós estamos finalizando um relatório que será entregue para as autoridades com os números de trabalhadores que são atingidos pelas doenças priorizando os dados qualitativos.
Além do atendimento ao trabalhador, vocês fazem um trabalho de sensibilização nas empresas?
Sim. E isso tem dado resultado positivo, porque os próprios trabalhadores procuram o CEREST para dizerem que melhorou a relação de trabalho na empresa. Quando a empresa recai, a gente vai lá, orienta, sensibiliza e conscientiza. Além disso, trabalhamos articulados com o movimento sindical.
Como é o assédio moral?
È facilitado em função da falta de emprego e do despreparo das chefias de não saberem comandar então eles se valem da autoridade. É muito fácil você fazer com que um grupo te obedeça abusando da autoridade. Eles usam também a questão da disputa, de premiar o melhor funcionário, de quem produz mais e isso cria uma disputa interna que o próprio colega pode cometer assédio moral, fazendo com que o seu companheiro de serviço sofra. Existe isso por causa do sistema que vem desde a Educação, que premia o melhor aluno, e o chefe utiliza essa estratégia para fazer com que um brigue com o outro, porque quando ele não consegue convencer seu grupo, ele utiliza-se da autoridade. Isso é muito comum porque é cultural que vem desde a escola. O funcionário quer garantir seu cargo muitas vezes com o rendimento exagerado das pessoas, que inclui estratégias de humilhação, de concorrência desleal que trazem sofrimento para as pessoas.
Isso, entre homens e mulheres?
Sim, as mulheres quando estão na chefia exercem esse papel com muita autoridade que trás sofrimento. Nós temos exemplos de empresas aqui que possuem mulheres na chefia e que estão trazendo sofrimento há muitos trabalhadores, como insônia e de não quererem ir mais para a empresa. Temos exemplos de pessoas que conversam com a gente, lembram da empresa e começam a chorar. É um dano psicológico muito grande.
Como o trabalhador entra na questão do assédio moral aqui no CEREST?
Ele não chega pra nós com tanta visibilidade como chegam as outras doenças, porque é um trabalho de investigação. Na triagem, a gente percebe que o trabalhador está sendo acometido por assédio moral, porque ele acha que é normal e não se identifica com o problema. O trabalhador passa pelos processos do CEREST e é encaminhado para a Saúde Mental da rede pública de Saúde.
E os trabalhadores dos canaviais?
Isso vai mudar o perfil do nosso serviço porque ele vai trazer outros agravos. O processo de trabalho nos canaviais tem característica de escravidão e nós já estamos preocupados com isso e com a questão indígena, que certamente o índio será utilizado para o serviço. Nós vamos ter que ter profissionais da sociologia, ou seja, uma outra linha de atuação para atender esses trabalhadores. Nós já estamos preocupados e inclusive já participando das questões das usinas até para termos mais informações para dialogarmos com as empresas e população.
E os outros direitos dos trabalhadores?
Nós não estamos aqui para substituir nem a rede pública de saúde nem os sindicatos até por respeito, porque quem tem que falar pelos trabalhadores é aquele quem ele delega e escolhe. Nós aqui temos um olhar “holístico” para o trabalhador e também queremos que os sindicatos entrem para o processo, para sensibilizar e orientar. De vez em quando as pessoas reclamam que o sindicato é pelego e tal. Mas se é pelego, porque você escolheu pelego, né?! Essa é a indagação que fazemos para o trabalhador e isso é pedagógico, a gente recebe e devolve para o trabalhador porque ele é o sujeito da vida dele. Também fazemos um trabalho de orientação previdenciária.
Como é computado os acidentes de trabalho?
Nós temos o SINANET que será lançado para começarmos a fazer as notificações. Porque as notificações feitas são só daqueles que têm carteira assinada. Vão ter onze agravos que serão notificados e compulsórios. Estamos empoderando a Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil para podermos fazer esse diálogo também com relação ao trabalho infantil, iniciando as conversações com as escolas.
E que radiografia temos do trabalho infantil?
Ele é muito difícil pra gente perceber, ele é mais doméstico ou feito com venda de algum produto. Mas nós vamos mapear essa situação em Dourados até julho deste ano, fazer visitas, dar suporte, orientação. E com relação aos acidentes de trabalho com pessoas que possuem carteira assinada é com o INSS, mas eles podem ser classificados em três tipos: acidente do trabalho; de trajeto e de doença ocupacional, este é o mais difícil porque é feito por diagnóstico.
Pra finalizar, qual a sua avaliação sobre a saúde do trabalhador?
É um processo bem difícil, até pra saúde, pra rede entender a nossa finalidade. Quando eu entrei aqui era só pra assinar carta e atestado médico, fazendo o trabalho da rede e isso demorou pra gente recompor. Aqui trabalhamos a prevenção, a relação para as políticas públicas. Hoje, temos aqui trabalhadores da Saúde estudando sobre a Saúde do Trabalhador e fizemos também um curso para 190 agentes comunitários de Saúde para entenderem nosso trabalho e colaborar com o Centro lá na ponta, quando forem medir a pressão arterial do idoso e ver alguém com perna quebrada e perguntar como e onde foi. Este ano, nosso trabalho foi mais para conscientizar a própria rede de saúde, e é difícil. È um trabalho diferente, é uma resposta de Lula para os trabalhadores que desde a Constituição vinham lutando pra isso, para este olhar, para um trabalho diferenciado.