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segunda-feira, 29 de abril de 2024

Por que a União Soviética foi a verdadeira ganhadora da corrida espacial

2016-12-26 23:01:00

Quando a Apollo 11 chegou à Lua em 1969 e o astronauta Neil Armstrong deu seu "grande salto para a humanidade", tudo parecia perdido para a União Soviética.

Milhões de pessoas no mundo todo viram essas imagens na televisão. E, na história popular, foram os Estados Unidos que se tornaram os grandes vencedores da corrida espacial contra a União Soviética (URSS).

Mas, na realidade, esse é um pensamento equivocado. Os verdadeiros pioneiros da exploração espacial foram os astronautas soviéticos e, grande parte dos avanços conquistados à época e utilizados até hoje na Estação Espacial Internacional (EEI) se devem a conhecimentos e inovações descobertas pela União Soviética.

Essa é a conclusão do documentário produzido pela BBC "Astronautas: como a Rússia venceu a corrida espacial", que teve acesso a documentos importantes e entrevistou protagonistas da extraordinária briga entre soviéticos e americanos para conquistar o Universo.

Ao levar ao espaço o primeiro satélite, o primeiro ser humano e a primeira estação orbital, a União Soviética conseguiu vencer os Estados Unidos, grande rival na Guerra Fria e cujo programa espacial, desenvolvido sob orientação do engenheiro alemão Wernher von Braun, era mais sofisticado e contava com mais fundos.

Mas como eles fizeram isso?

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Image captionWernher von Braun, um dos criadores do programa espacial dos EUA

As origens do programa espacial da URSS vêm das ruínas da Segunda Guerra Mundial.

Quando os americanos lançaram a bomba atómica em Hiroshima e Nagasaki, nasceu uma nova ordem mundial, em que o poder e a influência não se mediriam em termos de esforço humano, mas sim de avanços tecnológicos.

Se a União Soviética queria ter influência internacional, ela deveria remontar de forma bastante veloz a enorme vantagem que os Estados Unidos haviam "roubado" dela.

Em apenas quatro anos, os soviéticos produziram a bomba atómica. "Como era muito mais pesada que a dos americanos, precisaram desenvolver um foguete mais poderoso para transportá-la, o que acabou impactando o programa espacial", explica à BBC Gerard de Groot, professor de História Moderna da University of St Andrews, no Reino Unido.

E a pessoa a quem encarregaram a tarefa foi o engenheiro Sergei Pavlovich Korolev.

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Image captionSergei Pavlovich Korolev é considerado o pai do programa espacial soviético.

Em 1939, o líder da URSS, Joseph Stalin, o havia declarado inimigo do Estado e o enviado um dos terríveis gulags, onde se esperava que morresse. Mas, diante da necessidade de mentes brilhantes no início da Guerra Fria, decidiu-se dar a ele uma nova oportunidade.

"Korolev não era cientista, mas era um gênio de gestão. Era um líder, uma figura inspiradora, um político que sabia mover as alavancas do poder e voltar à realidade das metas", disse à BBC o especialista em História do Espaço Asif Siddiqi, da Universidade Fordham de Nova York.

E mais: na União Soviética, as pessoas o consideravam tão importante do ponto de vista estratégico que, para protege-lo de qualquer tentativa de assassinato, mantiveram sua identidade em segredo até seus últimos dias. Ele era conhecido apenas como "o chefe estrategista".

Em 1957, Korolev concluiu sua obra-prima, o foguete R-7 Semyorka, que era nove vezes mais poderoso que qualquer outro lançador criado até aquele momento.

Depois de várias tentativas falidas, o R-7 foi testado com sucesso: ele conseguiu voar por 5,6 mil quilômetros até a península de Kamchatka. Foi o primeiro míssil balístico intercontinental e, com ele, Korolev transformou a União Soviética em uma superpotência global.

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Image captionO programa espacial soviético començou reconstruindo foguetes V2 capturados dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

No entanto, o destino do R-7 não era se transformar em uma arma. "Como míssil, ele era ruim. Demorava-se muito para prepará-lo para o disparo. Enquanto foram desenvolvidos outros foguetes mais eficientes, o R-7 foi dedicado exclusivamente à exploração espacial", conta à BBC o ex-astronauta soviético Georgei Grechko.

Sputnik e Laika

Uma vez que contava com um foguete apto, Korolev queria ser o primeiro a demonstrar que as viagens espaciais eram possíveis. Com esse objetivo, seus engenheiros desenvolveram um satélite simples, o Sputnik. Era apenas um transmissor de rádio coberto por uma esfera de metal.

Em 4 de outubro de 1957, o Sputnik foi colocado em órbita e começou a enviar sinais de rádio à Terra, um "bip" que os Estados Unidos se esforçaram para decodificar, mas que na realidade não continha nenhuma mensagem.

O mundo ficou fascinado. Entusiastas formavam longas filas diante dos telescópios disponíveis para poder ver a "segunda Lua" cruzando o firmamento.

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Image captionA obra-prima de Korolev, o foguete R-7 Semyorka foi lançado. Altura: 34 metros. Peso: 280 toneladas.

O Sputnik foi uma jogada de mestre de propaganda e, a partir disso, o líder soviético Nikita Kruschev quis mais: ele pediu a Korolev outra grande missão espacial para as comemorações de 7 de novembro, o aniversário da revolução bolchevique de 1917.

Fazer isso dentro de um mês parecia impossível. No entanto, no dia 3 de novembro de 1957, a União Soviética enviou ao espaço outro satélite, mas desta vez havia um passageiro a bordo: Laika, uma cadela vira-lata encontrada em Moscou.

Durante muito tempo, os soviéticos afirmaram que a cadela sobreviveu em órbita por vários dias, mas em 2002 admitiram que os controles climáticos falharam e que o animal morreu em apenas seis horas por causa de uma superaquecimento.

Ainda assim, Laika deu aos soviéticos outra vitória e mais propaganda – além de uma nova dor de cabeça para os Estados Unidos.

"Nos Estados Unidos, acreditavam que se a URSS era capaz de levar um animal ao espaço, em breve haveria condições de colocar um ser humano em órbita", explicou o historiador De Groot.

O sorriso de Yuri Gagarin

No início da década de 1960, 20 potenciais astronautas eram treinados em segredo em uma zona rural da Rússia – entre eles, o jovem Alexei Leonov.

"Cada dia, corríamos 5km e nadávamos 700 metros. Também saltávamos em paraquedas; eu cheguei a fazer uns 200 saltos", conta Leonov à BBC.

Mas apesar do treinamento físico, os cosmonautas precisavam se preparar para os rigores do espaço.

Deviam ser capazes de resistir à enorme força na decolagem e aterrissagem. Eles eram isolados por dias em quartos a prova de ruídos para testar a experiência psicológica. E o pior de tudo era a preparação para a eventualidade de a cápsula começar a girar sem controle no espaço.

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Image captionO primeiro satélite transmitia sinais de rádio que pareciam suspeitas para os EUA

"Era algo muito difícil de aguentar", relembra o ex-astronauta Georgei Grechko. "Alguns ficavam pálidos, outros verdes. E logo vomitavam."

A pré-seleção do primeiro ser humano que iria ao espaço ficou reduzida a dois nomes: Yuri Gagarin e Gherman Titov.

"Korolev teminou escolhendo o filho de camponeses, Gagarin", disse Grechko. "Nós pensávamos que o mais inteligente e educado era Titov. Mas o chefe considerou aspectos em que nós como engenheiros não havíamos pensado: quão bonito era o candidato, seu sorriso. E tinha razão."

O "engenheiro chefe" sabia que a missão já era um sucesso, o rosto de Gagari estaria em todos os jornais do mundo.

No dia 12 de abril de 1961, Gagarin chegou onde nenhum ser humano havia chegado antes: a órbita da Terra. A bordo da cápsula Vostok, ele deu uma volta ao planeta em uma hora e 48 minutos.

"Estou olhando para a Terra", disse, ao se comunicar com o centro de controle. "Vejo as cores das paisagens, bosques, rios, nuvens. Tudo é muito bonito".

Gagarin foi recebido como um herói na União Soviética e viajou pelo mundo levando seu sorriso triunfal. Era a encarnação do domínio da União Soviética na corrida espacial.

Com isso, os americanos necessitavam desesperadamente de um triunfo sobre a URSS e o presidente John F. Kennedy estabeleceu uma meta ambiciosa: "Escolhemos chegar até a Lua ainda nesta década."

"Laika"Image copyrightARQUIVOS RUSSOS, BBC
Image captionA cadela Laika viajou para o espaço

Com a economia no auge, os Estados Unidos podiam investir grandes somas de dinheiro no desenvolvimento de um programa lunar. Do outro lado, os governantes da União Soviética não estavam dispostos a financiar uma aventura tão cara.

"Meu pai disse a Korolev que na União Soviética havia outras prioridades: produzir mais alimentos para acabar com a escassez, construir mais moradias", disse à BBC Sergei Kruschev, filho do líder soviético Nikita Kruschev.

"Ele não queria gastar todo esse dinheiro só para vencer os americanos na corrida para chegar à Lua", disse.

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Image captionGagarin, o sorriso emblemático símbolo do domínio soviético na corrida espacial

No lugar disso, Korolev lançou uma série de missões menos custosas à órbita baixa da Terra – e fez questão de "cantar vitória" para reforçar sua propaganda. Entre elas, destacam-se duas de 1963: o voo orbital mais longo da história até aquela data (que durou cinco dias) e a primeira mulher a ir ao espaço, Valentina Tereshkova.

No dia 18 de março de 1965, mais uma conquista: Alexei Leonov se tornou o primeir ser humano a realizar uma caminhada espacial.

"Korolev nos havia dito: 'Assim como um marinheiro a bordo de um navio deve ser capaz de nadar no oceano, um astronauta deve saber flutuar no espaço", lembra Leonov.

Rumo à Lua

O feito de Leonov marcou o fim da era de ouro do programa espacial da URSS, ao que se somou uma série de tragédias.

No dia 14 de janeiro de 1966, Korolev, a figura inspiradora da exploração soviética do cosmos, morreu depois de uma cirurgia de rotina da qual não conseguiu se recuperar.

Quem o substituiu foi Vasily Mishin, que carecia da visão e da capacidade de gestão do "estrategista chefe".

"BBC"
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