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quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Presença de facções criminosas na Amazônia cresce 32% em um ano

O “informativo” da facção criminosa Comando Vermelho (CV) chega pelos grupos de WhatsApp a pessoas envolvidas no garimpo ilegal em Alta Floresta, região amazônica do Mato Grosso. Desde meados de outubro deste ano, tornou-se “obrigatório” o cadastro e pagamento de mensalidade para todos que trabalham com balsas e escarientes (equipamento de extração mineral em larga escala).

A reportagem da Agência Brasil teve acesso a mensagens na íntegra.

Os criminosos dizem que “todos os trabalhos ilegais dentro do estado de Mato Grosso são prioridade e voltados à organização”, diz o texto.

A data de pagamento estabelecida pela facção é entre os dias 1° e 8 de cada mês, com tabela de valores de acordo com o equipamento utilizado.

A facção destaca as consequências para quem não seguir as regras.

“Lembrando que aqueles que não estiverem fechando com nós será liberado o mesmo ser roubado e também ser brecado de trabalhar. Se por acaso insistir será queimado sua máquina e poderá perder até mesmo a própria vida por estar batendo de frente”, diz um dos trechos.

Estudo divulgado nesta quarta-feira (19) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em evento realizado no espaço oficial da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, demonstra o avanço das facções criminosas na Amazônia Legal.

A 4ª edição do Cartografias da Violência na Amazônia mostra que o crime organizado cresceu e chegou a 45% dos municípios que compõem a Amazônia Legal. Das 772 cidades, as organizações criminosas estão presentes em 344 delas, o que representa um aumento de 32% em relação a 2024, quando estavam em 260 municípios. A Amazônia Legal é composta pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.

“O estudo mostra que essas facções, majoritariamente ligadas ao narcotráfico, veem na Amazônia e nos crimes ambientais novas formas de ganhar dinheiro e lavar dinheiro”, explica Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Ela avalia que o Estado brasileiro terá que buscar soluções para essa intersecção entre o crime organizado e o meio ambiente.

“Se isso já era um problema apenas do crime ambiental, quando chega o narcotráfico, ganha outro contorno. Estamos em um espaço de justiça climática e transição energética, mas nenhuma dessas soluções pode ser bem pensada no Brasil sem cidadania e segurança nos territórios”, complementa.

Facções em atividade

O estudo mostra que são 17 facções criminosas ativas na Amazônia. Além de CV e Primeiro Comando da Capital (PCC), destacam-se grupos regionais como Amigos do Estado (ADE), Bonde dos 40 (B40), Primeiro Comando do Maranhão (PCM), Família Terror do Amapá (FTA), União Criminosa do Amapá (UCA), Comando Classe A (CCA), Bonde dos 13 (B13), Bonde dos 777 (dissidência do CV), Tropa do Castelar, Piratas do Solimões, Bonde do Maluco (BDM) e Guardiões do Estado (GDE).

Há também organizações estrangeiras, como a venezuelana Tren de Aragua e a colombianas Estado Maior Central (EMC).

O CV e o PCC são os grupos mais poderosos na região. O CV está presente em 286 cidades da Amazônia brasileira, sendo dominante em 202 municípios e disputando 84. A facção mantém maior controle das rotas fluviais, especialmente no eixo do rio Solimões, articulado com a produção peruana e cartéis colombianos.

O escoamento dos produtos ocorre pelos portos de Manaus, Santarém, Barcarena, Belém e Macapá. São usadas embarcações regionais, lanchas rápidas, submersíveis e “mulas” humanas. Além do tráfico, disputa territórios para o varejo da droga e opera em garimpos.

O PCC possui influência direta em 90 cidades, atuando de forma hegemônica em 31 e disputando 59 municípios. A facção foca na internacionalização dos mercados, intensificando o uso de rotas aéreas clandestinas, utilizando pistas em garimpos ilegais e unidades de conservação; e rota oceânica via Suriname, importante para o tráfico marítimo, ao conectar Amapá e Pará a mercados internacionais.

Assassinatos

O número de vítimas de mortes violentas intencionais nos 772 municípios da Amazônia Legal foi de 8.047 em 2024. A taxa de 27,3 assassinatos por 100 mil habitantes é 31% superior à média nacional. O estado mais violento da região — e do país — foi o Amapá, com taxa de 45,1 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes.

O Maranhão também se destacou negativamente por ter sido o único que apresentou aumento nas taxas de homicídio entre 2023 e 2024 (11,5%). O estado vive uma disputa territorial pelo controle do tráfico de drogas entre o Bonde dos 40, o Comando Vermelho e o PCC.

Entre as cidades mais violentas com até 20 mil habitantes, um dos destaques negativos é Vila Bela da Santíssima Trindade, no Mato Grosso. O número de assassinatos passou de 12 em 2022 para 42 em 2024, fenômeno relacionado ao avanço do CV. A cidade possui posição estratégica para o tráfico internacional de drogas pela proximidade com a Bolívia. E também abriga parte da Terra Indígena Sararé, que registrou crescimento exponencial do garimpo.

“A situação em Sararé é muito impressionante. O Comando Vermelho chegou e passou a controlar toda a cadeia da extração de minério, principal do ouro. Não é mais só o garimpeiro, que já era um problema. É o garimpeiro que paga taxa ao Comando Vermelho para explorar o território. A lógica de controle territorial armado que vemos no Rio de Janeiro vai acontecendo nos territórios amazônicos”, aponta Samira.

Entre as cidades mais violentas com mais de 100 mil habitantes está Sorriso, também no Mato Grosso, que registrou 72 homicídios violentos em 2024. Ela é conhecida como a “capital nacional do agronegócio”, por liderar a produção mundial de soja. Por dois anos consecutivos, esteve entre as cidades com maiores taxas de estupros de vulnerável no país.

Os números alertam que o problema da segurança pública tem se intensificado no Mato Grosso. O estado, que possui uma faixa de fronteira extensa com a Bolívia, uma das maiores produtoras mundiais de cocaína, se tornou estratégico para o narcotráfico. Desde 2023, há acirramento das disputas entre o Comando Vermelho e a Tropa do Castelar, dissidência do CV aliada ao PCC.

A Pan-Amazônia tornou-se corredor prioritário para abastecimento da cocaína em mercados da Europa, América do Norte, África, Oceania.

Assassinatos de mulheres

O documento indica que 586 mulheres foram assassinadas na Amazônia Legal em 2024, uma taxa de 4,1 por 100 mil mulheres — 21,8% superior à média nacional. Mato Grosso é o estado mais letal para mulheres (5,3 por 100 mil). E o Maranhão foi o único a registrar aumento nos homicídios femininos (19,8%).

“Olhando para essa mulher na Amazônia, que vive em territórios mais afastados dos centros urbanos e fica mais vulnerável, a gente precisa ser capaz de oferecer políticas de acolhimento, de empoderamento econômico e de enfrentamento à violência que dialoguem com a realidade dela”, defende Samira Bueno.

Samira defende que é necessário adaptar os modelos de enfrentamento à violência doméstica às realidades locais.

“O que a gente tem hoje no Brasil em modelos de tratamento de violência doméstica? Como você lida com violência doméstica em uma aldeia indígena? Como lida com violência doméstica em um município de fronteira, em que você não tem nenhum equipamento estatal especializado? Temos esse desafio de olhar para as especificidades”, complementa.

Fonte: Rafael Cardoso/Agência Brasil

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