2022-03-22 17:04:25
Além da pandemia, outro problema global com que os países tiveram de lidar nos últimos anos foi a disparada da inflação. Mesmo com causas comuns, características específicas de cada nação acabaram influenciando a intensidade da alta de preços e também as ferramentas para combatê-la.
Em 2021, foi possível notar essas discrepâncias considerando apenas os países que integram o G20. Os índices de inflação vão de cerca de 50% no caso da Argentina até 0,5% no Japão, com uma série de resultados diferentes em cada país.
Já no caso do Brasil, a inflação ficou acima da média, na casa dos 10%, com fatores internos que pioraram o quadro. Ao mesmo tempo, o país tem hoje uma das maiores taxas de juros do mundo, indicando a intensidade e velocidade no combate à inflação.
Causas comuns
Simão Silber, professor da FEA-USP, afirma que a causa comum para as pressões inflacionárias registradas pelo mundo é a própria pandemia de Covid-19, que a partir de 2020 gerou um descompasso entre demanda e oferta de uma série de bens, encarecendo preços.
O cenário com a crise sanitária gerou o que Margarida Gutierrez, professora da UFRJ, resume como quatro choques.
Os dois primeiros foram, segundo ela, simultâneos, um de demanda —em que a renda gasta com serviços e viagens migrou para o consumo de bens, fazendo os preços subirem— e outro de custo, com os preços das commodities, em especial alimentos e petróleo, disparando pelo desequilíbrio entre oferta e demanda.
O terceiro choque surgiu pela adoção por diversos países de estímulos fiscais e monetários durante a pandemia, que resultaram em um “excesso inflacionário”, com aumento de liquidez, auxílios financeiros e juros baixos. Para ela, porém, esse fator atingiu muito mais países desenvolvidos, caso dos Estados Unidos, do que o Brasil.
O último choque que a professora cita foi ligado parcialmente à pandemia: o de preços de energia. Nesse caso, as razões variaram de país para país, mas o mais comum foi a alta no petróleo, com a demanda alta em meio à recuperação da economia e a oferta contida pela redução de produção da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).
Na Europa, os preços do gás avançaram com o crescimento da demanda chinesa, oferta menor e, segundo acusações de autoridades, retenção no suprimento pela Rússia. Já nos Estados Unidos e no Reino Unido, tanto o gás natural quanto o petróleo subiram, acompanhando o exterior.
Na Índia e na China, a alta mais danosa foi a do carvão, com uma produção menor e restrições chinesas ao consumo e produção por questões ambientais.
E há ainda o caso do Brasil, em que os combustíveis dispararam por causa do petróleo, ao mesmo tempo em que as contas de luz encareceram pela crise hídrica, prejudicando a produção de energia pelas hidrelétricas e obrigando o uso de termelétricas, mais caras.
Silber destaca ainda que a pandemia, com a necessidade de lockdowns, afetou a produção das indústrias e o transporte de insumos e produtos. Quando a economia iniciou a retomada, a produção não acompanhou a demanda acelerada.
Isso levou à falta de insumos como os chips, essenciais na produção de eletrônicos e automóveis. Os preços maiores, afirma Gutierrez, atingiram principalmente os bens duráveis.
Além da pandemia, há agora uma nova causa inflacionária comum, a guerra entre Ucrânia e Rússia. “As cadeias de fornecimento estavam se recuperando de forma mais lenta, e a guerra interrompeu novamente. São novas desorganizações devido às sanções”, diz a professora da UFRJ.
Já o professor da USP afirma que o principal fator inflacionário ligado à guerra vem da alta das commodities, já que a Rússia e Ucrânia são grandes produtoras em áreas como grãos e minérios.
O principal problema é que o preço desses produtos já estava elevado pela pandemia, e os novos patamares se tornam ainda mais danosos. Como o valor das commodities em qualquer lugar do mundo segue o mercado internacional, a alta tem um efeito global.
Especificidades
Mesmo assim, fatores específicos fazem que a inflação da Argentina ou do Brasil seja diferente da do Reino Unido ou do Japão —sejam por elementos da própria economia desses países, sejam por acontecimentos específicos durante os anos da pandemia.
No caso do Brasil, Silber cita especialmente a grande desvalorização cambial, com o dólar subindo e encarecendo produtos importados como o petróleo, e a crise hídrica, com o efeito nas contas de luz que prejudicou tanto a população quanto as empresas.
Esses dois elementos, porém, já não são mais preocupações, na avaliação do professor. O dólar entrou em uma tendência de queda ante o real e já ronda os R$ 5, enquanto o bom volume de chuva no início de 2022 afastou os temores sobre a crise.
Para este ano, ele considera que as maiores pressões inflacionárias devem vir dos reajustes nos combustíveis realizados pela Petrobras, de possíveis incertezas provocadas pelas eleições e da tendência de aumentar a exportação de grãos e minérios devido ao alto preço no exterior, reduzindo a oferta interna e encarecendo os produtos.
Gutierrez afirma que as divergências entre os países podem estar ligadas também ao grau de disseminação da inflação. Na zona do euro, ela ainda se concentra em energia e alimentos, fora do chamado “núcleo”, indicando que os preços podem reduzir se a causa para essas altas cessar. É essa justificativa que o Banco Central Europeu (BCE) usa para não subir os juros.
Já nos Estados Unidos, a disseminação da inflação é mais evidente, com um mercado de trabalho aquecido, salários elevados e efeitos dos auxílios robustos do governo durante a pandemia.
Há ainda o caso da China, que registrou uma inflação ao produtor recorde, de quase 9%, mas sem impacto na inflação ao consumidor, em torno de 0,9%.
Para Gutierrez, isso está ligado às peculiaridades da economia chinesa, com uma grande quantidade de empresas estatais capaz de segurar esses custos maiores e evitar repasses.
Silber cita ainda a baixa demanda entre os consumidores, além de uma bolha imobiliária e especulações no mercado de ações que contiveram a inflação. A demanda baixa é um cenário comum a muitos países da Ásia, o que segundo professor levou às inflações menores.
Dentre o G20, o Brasil teve a terceira maior inflação em 2021, atrás da Argentina (50,9%) e Turquia (36,08%). Em ambos os casos, afirma o professor, as causas para a inflação acima da média vêm de processos inflacionários pré-pandemia e uma saída de capital estrangeiro durante a pandemia, no caso da Argentina pela disparada da dívida externa e, no da Turquia, pelas interferências do governo no banco central.
E mesmo que a inflação na Europa, na casa dos 5%, possa parecer pequena para países como o Brasil, Silber destaca que os números são “significativos, mesmo que menores”, já que essas nações tradicionalmente trabalham com metas menores, de 2%, e toda a população se planeja financeiramente com esse nível de inflação em mente.
Combate à inflação
Se as causas para a inflação podem divergir, o combate a ela, em geral, tem uma ferramenta comum e hegemônica —a alta de juros.
“Quando tem inflação de custo, não devem subir juros, mas quando a de custo se difunde pela economia, gera choques secundários, aí precisa intervir, se não vai subindo e não tem limite”, diz Gutierrez.
A divergência entre os países é exatamente essa identificação, que determina o momento do início do ciclo de alta. No Brasil, ele começou em março de 2021, enquanto que nos Estados Unidos, em março de 2022, e em dezembro de 2021 no Reino Unido. Na zona do euro, ele ainda não ocorreu.
Segundo a professora, a decisão de começar a alta de juros depende do contexto de cada país.
“Nos EUA não tem dúvida que há efeitos secundários, a economia está crescendo muito, virou inflação típica de demanda com mercado de trabalho aquecido e salários subindo”, diz Gutierrez. “Nas demais, vai de caso em caso. Na Europa, a demanda ainda está muito deprimida, não está no ritmo pré-pandemia, por isso não começou a subida dos juros”.
Silver avalia que o início do ciclo no Brasil ocorreu cedo, devido ao histórico de “inflação descontrolada”. “Sempre temos esse medo, e aí combate mais”.
Hoje, os juros no país são o segundo maior em termos reais, e o quarto em termos nominais.
Para Silber, a grande exceção nesse cenário é a China, que tem cortado juros por identificar uma necessidade de estimular a economia.
Os professores citam ainda que existem outras políticas monetárias para lidar com a inflação, como o corte na compra de títulos —já em andamento nos Estados Unidos e na Europa— para reduzir a circulação de dinheiro na economia, mas, em geral, pouco efetivas.
E existem casos como o da Argentina, que optou por congelar preços para tentar conter a inflação, algo historicamente pouco eficiente.
“Antes a interpretação era de que não precisava subir juros porque as causas eram temporárias, da pandemia, e cairiam sozinhas. Isso não ocorreu, pelo contrário. E na sequência já veio a guerra, então espalhou mais dificuldades, e vai influenciar nas decisões dos bancos centrais”, afirma Silber.