2008-08-23 10:09:00
Afinal, o que somos?
O escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues costumava dizer que o brasileiro tinha “Complexo de Vira-latas” porque sempre que havia uma decisão importante, tanto na vida cotidiana quanto no esporte, a nossa gente “amarelava”. Pessoalmente acredito que essa faceta do nosso povo se manifesta muito menos do que naquela época, mas ainda nos caracteriza em algumas situações. Por enquanto, deixemos o dia-a-dia de lado para comentarmos um pouco do que acontece nas Olimpíadas. Até o momento em que escrevia este Periscópio, o Brasil ocupava a 39ª posição no quadro geral de medalhas, com o solitário ouro do nadador César Cielo e cinco bronzes, sendo um do próprio Cielo, um na vela e três no infálivel judô.
Obrigado, Cielo. Você mereceu a vitória e emocionou a todos nós.
Somos ótimos em muitos esportes. No futebol somos os melhores do mundo, pelo menos vivemos falando isso. No vôlei também somos ótimos, masculino ou feminio e é até possível que ganhemos medalhas de ouro nessas modalidades e também no vôlei de praia. Torço muito pela Maureen Maggi, mais pela sua superação e garra e acho que o atletismo fica por aí. Na maratona, temos bons atletas e podemos almejar alguma coisa, assim como no hipismo. Em algumas modalidades houve uma melhora acentuada, como na ginástica artística, em que pesou a tremedeira geral que atacou as meninas e a falta de sorte de Diego Hypólito, favoritíssmo à medalha de ouro, mas que na hora agá mostrou como é duro ser brasileiro. No futebol as meninas fizeram bonito e vou torcer desesperadamente para que ganhem o ouro que já merecem há muito tempo. Já no masculino, sou obrigado a ser ambíguo, ou seja, torcer pela equipe, mas contra o técnico. Quero o Dunga fora da Seleção, onde caiu de pára-quedas, e o mais rápido possível e, em certa medida, os 3×0 que a Argentina sapecou no Brasil soaram como música aos meu ouvidos. Foi a vitória da humildade sobre a arrogância e mesmo sendo brasileiro, achei muito bom. Todos os esportes e personagens acima descritos fazem parte de uma minoria absoluta de pessoas que superaram todos os obstáculos com denodo e dedição. São casos pontuais que não fazem parte da média brasileira. Basta dar uma espiadinha de leve no nível social e intelectual desses atletas para verificarmos a diferença entre eles e os outros. A maioria vem da classe média e teve uma educação razoável; os outros lutam pela sobrevivência, contra tudo e contra todos, sem apoio ou com um apoio mínimo e acabam sucumbindo diante de atletas, pasmem, como do Zimbabwe, Mongólia ou Cazaquistão.
Levamos 277 atletas para Pequim e o COB se orgulha desse número. Pelo menos 80 por cento não tinha a menor chance de colher um bom resultado. Não por culpa deles, é claro. Mas, por culpa de um país que com quase 200 milhões de habitantes não tem uma política esportiva séria. Aliás, como nada é sério por aqui, também não temos política para agricultura, para o problema dos indígenas ou, no mínimo, para diminuir a corrupção que grassa em todo o país. Mas se houvesse uma Olimpíada da corrupção, certamente estaríamos no lugar mais alto do pódio. Somos imbátiveis em superfaturamento, desvio de dinheiro público, crimes de colarinho branco, propina e até criamos uma nova modalidade: o mensalão.
As “otoridades” governamentais e esportivas querem trazer as Olímpiadas de 2016 para o Rio de Janeiro. Vai ser uma festa com o nosso dinheiro, como já o fôra no Panamericano de 2007, onde gastou-se apenas 15 vezes o previsto inicialmente. Os gastos num evento como as Olimpíadas são muito superiores e o Rio, graças a Deus, tem pouquissímas chances de ser a cidade escolhida, senão iria ser uma festança para os corruptos de plantão. Imaginem que só por ser cidade candidata o governo do senhor Lula liberou 82 milhões de reais para despesas com divulgação do nome da cidade. Quando o Brasil foi anunciado como sede da Copa do Mundo de Futebol de 2014, dava para perceber a cara de constrangimento do presidente da FIFA, Joseph Blatter, que acho que desconfiou que a roubalheira comeria solta por essas bandas. Como o Brasil não tinha concorrentes, Blatter, docemente constrangido, teve que se curvar. Ou seja, mais uma vez o mundo se curva ante o Brasil. Dessa vez de vergonha.
Melhoramos muito e não podemos mais ser considerados “vira-latas”; mudamos de status, mas estamos muito longe de ter um “pedigree”.
Querem uma prova? É só lembrar quem é o presidente da nossa pobre República.