2007-06-04 00:15:00
A Polícia Civil encontrou no arquivo da Clínica Planejamento Familiar de Campo Grande, de propriedade da médica Neide Mota Machado, as fichas de pelo menos dez adolescentes de 13 anos de idade. Segundo a delegada Regina Márcia Rodrigues de Brito, adjunta do 1º DP (Distrito Policial), até agora haviam sido descobertas fichas de pacientes com idade entre 14 e 45 anos.
Por enquanto, as pacientes e os pais responsáveis por elas não devem ser intimados a depor, pois a delegada espera concluir as investigações e encerrar o inquérito apenas com as pacientes atendidas neste ano, já que as garotas de 13 anos de idade praticaram abortos em anos anteriores. Segundo a delegada, a descoberta de que adolescentes de 13 anos também fizeram aborto na clínica pode resultar em aumento da pena para a médica Neide Mota Machado, que ainda se encontra foragida da Polícia.
No total, já foram ouvidas mais de 50 pessoas e 26 já foram indiciadas, sendo 18 mulheres que praticaram aborto, duas mães de adolescentes, um homem que ajudou a namorada de 16 anos a praticar aborto, a dona da clínica, a psicóloga Simone de Souza, que chegou a ficar presa em uma das celas do Garras (Grupo Armado de Repressão a Assaltos e Seqüestros), e três enfermeiras. Elas negaram o crime limitando-se a informar que apenas realizar o trabalho de curetagem (retirada) do feto.
A Polícia Civil também apurava indícios de outros sete homens teriam ajudado adolescentes a praticar abortos na clínica. Entretanto, apenas um dos oito homens suspeitos foi indiciado porque existe uma prova material contra ele, já que a Polícia localizou na clínica um cheque no valor de R$ 2,5 mil pago pelo homem para realizar o aborto na namorada de 16 anos. Nenhum dos homens interrogados confessou que as namoradas realizaram abortos na clínica.
Habeas corpus – A médica Neide Mota Machado já acumula derrotas na Justiça, tanto na primeira como na segunda instância, assim como em instância superiores. A última derrota foi na 2ª Turma Criminal do TJ/MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) que indeferiu, por unanimidade, o pedido de habeas corpus impetrado pela médica. A decisão acompanhou parecer do desembargador Carlos Stephanini, relator do habeas corpus, que indeferiu o pedido feito pela defesa de Neide.
A médica já teve duas derrotas em instâncias superiores, sendo a primeira no STJ (Superior Tribunal de Justiça), onde o ministro Félix Fischer, da 5ª Turma Criminal, solicitou informações ao TJ/MS sobre o caso e pedindo vista ao MPF (Ministério Público Federal) para só depois julgar o mérito sobre o pedido de habeas corpus. Outra derrota foi na semana passada, quando o ministro Carlos Brito, do STF (Supremo Tribunal Federal), negou seguimento ao habeas corpus, com pedido de liminar, por entender que o pedido não caberia ao Supremo e, por isso, barrou a ação sem julgar o mérito.
A Polícia Civil confirmou que a clínica recebia pacientes de vários Estados, principalmente de Goiás, Mato Grosso, São Paulo e Minas Gerais, sendo que grande parte das pacientes já foi identificada, devidamente catalogada e será intimada a depor por carta precatória. Em nível de registro profissional, a médica, que confessou em reportagem da Rede Globo praticar abortos, já foi notificada pelo CRM/MS (Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso do Sul) e, caso seja condenada pela sindicância médica, pode receber advertências ou até mesmo ter o registro cassado.
Em outros dois processos por aborto a médica foi condenada pela Alínea C da Lei nº 3.268/57, do Código Médico, que determina censura pública em publicação oficial. “Ela já respondeu a quatro processos no período de 1986 a 1992, tendo sido apenada em dois desses processos. Porém, em ambos, não se comprovou a realização do procedimento de aborto. Os casos tiveram origem na publicação de uma reportagem por um jornal diário e na sua defesa a médica afirmou que não havia concedido a entrevista. Assim, não havia uma prova substancial”, destacou o vice-presidente do Conselho, médico Antônio Carlos Bilo.
Bilo ainda informou que o processo contra a médica deve durar pelo menos 120 dias, caso não ocorra nenhuma intervenção jurídica, ou seja, como ela foi notificada em abril, o prazo termina em agosto. “Os prazos que existem são apenas de relatoria, seguindo uma cronologia natural do CRM. O conselheiro sindicante terá 30 dias para instruir o processo. O relator terá mais 60 dias para apresentar seu parecer. Já o conselheiro revisor terá mais 30 dias para realizar seu relatório, para então o CRM marcar a data do julgamento”, revelou.