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quinta-feira, 28 de março de 2024

Por que a busca por sêmen no exterior cresceu vertiginosamente no Brasil

2019-02-09 19:02:00

Decidida a realizar o sonho de ser mãe, Luciana (nome fictício), de 37 anos, procurou uma clínica de reprodução humana assistida (RHA) no final de 2017. Solteira, ela precisou recorrer aos bancos de sêmen. Seu médico lhe indicou dois, um brasileiro e um americano.

"Primeiro, fui atrás do nacional, mas, quando vi que só tinha meia dúzia de doadores, desisti. O estrangeiro oferecia uma quantidade infinitamente maior e também muito mais informações sobre cada um", afirma Luciana, grávida de 25 semanas de um menino.

O casal Julia, de 35 anos, e Daniela, de 39 anos (nomes fictícios), foi pelo mesmo caminho – e pelos mesmos motivos. "Optamos pelo banco estrangeiro porque ele tinha dados detalhados sobre o doador, inclusive fotos. Para mim, era importante encontrar um com características parecidas às da minha esposa, até pensando na criança, em facilitar a vida dela ao se identificar com as duas mães", diz Daniela, grávida de 29 semanas de uma menina.

E tem muito mais gente apostando no material estrangeiro. De 2011 a 2017, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a importação de 1,95 mil amostras seminais (sêmen).

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Em 2017, de acordo com o 2º Relatório de Dados de Importação de Células e Tecidos Germinativos para Uso em Reprodução Humana Assistida, produzido pelo órgão, o índice foi recorde: 860 amostras, um aumento de 97% em relação ao ano anterior, quando foram trazidas 436.

Elas vieram das empresas americanas Fairfax Cryobank, Seattle Sperm Bank e Califórnia Cryobank. A maioria, 72%, destinou-se aos Bancos de Células e Tecidos Germinativos (BCTGs) da região Sudeste do país – só São Paulo recebeu 479 -, 13% foram para o Sul, 8%, para o Nordeste e 6%, para o Centro-Oeste.

"Entre as razões para este crescimento, está a ampliação da divulgação dos bancos internacionais no país, sendo que as clínicas de reprodução humana assistida passaram a ofertá-los cada vez mais para seus clientes", diz Renata Miranda Parca, gerente substituta da Gerência de Sangue, Tecidos, Células e Órgãos (GSTCO) da Anvisa.

Fora isso, diz a especialista, os pacientes têm feito esta opção por conta do aumento no número de bancos nacionais com acesso aos serviços de outros países e a instalação no Brasil de representantes das empresas estrangeiras, o que facilita todo o processo.

Ainda existem poucos bancos de sêmen no país, o que, na maioria das vezes, gera dificuldade para achar amostras com as características pretendidas pelos futuros pais.

Em contrapartida, a oferta de doadores no exterior conta com uma ampla disponibilidade de acesso às suas características físicas, intelectuais e psicológicas – é possível até ver fotos de infância e escutar suas vozes.

Demanda por sêmen é maior do que a oferta no Brasil

O que também pesa na decisão é a qualidade do sêmen. Apesar de ser obrigatória por aqui a realização de exames para detectar possíveis doenças, como as infectocontagiosas e as genéticas, empresas estrangeiras oferecem uma variedade maior de testes, com dados sobre a família do doador e, inclusive, relatos de doenças preexistentes.

Para Márcio Coslovsky, especialista em reprodução humana há mais de 20 anos e sócio-diretor da Clínica Primordia, no Rio de Janeiro, o aumento da importação de sêmen se explica ainda pela regulamentação brasileira ser mais restritiva.

"Além das informações no Brasil serem limitadas, a demanda de receptores é bem superior à oferta, sobretudo porque não é permitido nenhum tipo de pagamento aos doadores, como ocorre em outros países. Há alguns voluntários que doam, mas é um número limitado, e o anonimato não permite saber muito sobre eles", aponta o médico, membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) e da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE).

Ele comenta que, em sua clínica, de cada dez pacientes, sete escolhem os bancos estrangeiros, mesmo diante do preço três vezes mais alto: enquanto o valor médio da amostra nacional é de R$ 1.500 – para custeio dos exames realizados pelo doador, do armazenamento e do transporte do sêmen, entre outros serviços -, lá fora, é de R$ 4.500.

Importação de células reprodutivas femininas também aumentou

A última edição do relatório elaborado pela Anvisa inclui, pela primeira vez, informações sobre importação de oócitos (células reprodutivas femininas). Em 2017, foram 321 amostras, aumento de 1.359% em relação ao total dos anos de 2015 e 2016, período em que apenas 22 vieram do exterior. De 2011 a 2017, foram 357.

Como explica a gerente da Anvisa, a alta procura se deve especialmente à ausência de bancos de oócitos congelados para doação no Brasil e pelo aumento do número de mulheres com idade avançada procurando a reprodução assistida.

"Há pouco tempo, as grandes empresas internacionais encontraram aqui um mercado com bastante potencial para a comercialização deste tipo de material. A tendência agora é de mais crescimento na importação, até mais do que a de sêmen", completa.

Em 2017, as células reprodutivas femininas foram importadas do Fairfax Egg Bank (Estados Unidos), do Ovobank (Espanha e Grécia) e do Intersono (Ucrânia). Os representantes no Brasil foram VIDA Centro de Fertilidade (Rio de Janeiro), Fertipráxis (Rio de Janeiro), Fertivitro (São Paulo), Huntington (São Paulo), Pró-Criar (Minas Gerais) e SAAB (Paraná).

Neste caso, 100% delas foram enviadas para BCTGs da região Sudeste, tendo o Estado do Rio de Janeiro como principal destino (199).

Casais heterossexuais e mulheres solteiras são os que mais solicitam o serviço

Outros dados interessantes mostrados no documento da Anvisa são referentes às características dos doadores e o perfil dos futuros pais. Nas importações em 2017, as amostras seminais foram obtidas de 323 doadores e, as de oócitos, de 47 doadoras.

Quando se trata de sêmen, as escolhas predominantes foram por ascendência caucasiana (cor de pele branca, 91%), olhos azuis (45%) e cabelos castanhos (67%). Em relação aos oócitos, a ascendência de maior destaque foi, novamente, a caucasiana (88%), com olhos e cabelos castanhos (49% e 65%).

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Esta questão tem gerado polêmica. "Alguns grupos dizem que a opção por estes padrões são baseadas em racismo ou eugenia, mas não acredito nisso. As pessoas que atendo buscam no doador traços físicos parecidos com os de suas próprias famílias ou então o que acham mais bonito", afirma Hitomi Nakagawa, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA).

Pelo relatório da Anvisa, em 2017, os casais heterossexuais foram os principais solicitantes das amostras de sêmen importado (42%), seguidos por mulheres solteiras (38%), que desejam obter uma gestação independente, e casais homoafetivos (20%). Todas as amostras de óvulos foram destinadas a casais heterossexuais.

Como é processo de importação de células reprodutivas

Como explica a Anvisa, o procedimento para importar células e tecidos germinativos (sêmen, oócitos e embriões) "deve acontecer conforme o disposto no Capítulo XXIII, Seções I e IV, da RDC/Anvisa n° 81, de 5 de novembro de 2008, sendo que o importador é o responsável pelo cumprimento das normas legais, incluindo as medidas, as formalidades e as exigências".

Para solicitar a anuência, o estabelecimento (neste caso, exclusivamente o BCTG brasileiro) ou o seu representante, na figura de importador – ambos pessoas jurídicas -, precisa enviar à agência, via e-mail institucional, uma série de documentos (a lista está disponível no site).

Após análise de cada caso individualmente, o que pode levar até cinco dias úteis, é concedida ou não a autorização. Já o tempo estimado para a chegada das amostras no país é de cerca de 40 dias.

Por conta do aumento na importação de sêmen e oócitos, a Anvisa está revisando a RDC n° 81, que dispõe sobre o Regulamento Técnico de bens e produtos importados para fins de vigilância sanitária.

"Em 2008, quando essa regulamentação foi elaborada, a situação era bem diferente. Os pedidos de importação eram esporádicos e feitos basicamente por pessoas que tinham sêmen ou óvulo congelado em outros países e queriam trazê-los para o Brasil", diz Renata Miranda Parca, da GSTCO.

"Agora, com todas as mudanças pelas quais estamos passando, pretendemos aprimorar as ferramentas fiscalizatórias vigentes e os mecanismos de avaliação da qualidade dos bancos de células e tecidos germinativos internacionais, em parceria com as Agências Reguladoras locais."

Além disso, junto com o Ministério da Saúde e o Conselho Federal de Medicina, a Anvisa estuda estratégias para controlar as gestações oriundas de um mesmo doador e aprimorar a rastreabilidade dos nascimentos de indivíduos por RHA. A expectativa é de que as alterações sejam anunciadas ainda este ano.

 

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