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quinta-feira, 28 de março de 2024

O que mudou na política e na Justiça 5 anos após a última sessão do julgamento do mensalão

2017-12-16 14:01:00

Foram 53 sessões ao longo de quatro meses, muitas delas transmitidas ao vivo pela TV.

A Ação Penal 470 – o mensalão – teve seu último julgamento em 17 de dezembro de 2012 (com exceção dos embargos infringentes do caso, que perduraram até 2014), e a conclusão do Supremo Tribunal Federal foi de que houve, no governo Lula, um esquema corrupto para comprar apoio no Congresso – algo negado pelo PT até hoje.

Vinte e cinco dos 37 réus foram condenados, em sua maioria de PT, PP e PL, sendo um deles posteriormente absolvido em recurso. Além de ser o caso mais longo e complexo assumido até então pelo STF, o mensalão foi um divisor de águas por resultar na prisão ou perda de mandato de importantes figuras políticas, algo até então raro na história do país.

Passados cinco anos, a BBC Brasil conversou com especialistas para entender que impactos o julgamento do mensalão – somado a outros grandes eventos posteriores – teve sobre a política e a Justiça do Brasil. Para muitos deles, o marco legal e o engajamento social que vieram depois do mensalão abriram caminho para investigações mais sólidas, como a Operação Lava-Jato; para outros, é parte de uma conjuntura mais ampla de fatores. Entenda.

'Ímpeto anticorrupção'

O combate à corrupção ganhou ímpeto no pós-mensalão, em parte por uma sociedade mais engajada e um sistema de leis mais robusto, e em parte por uma atuação mais combativa do Judiciário, dizem os especialistas ouvidos pela reportagem.

"Historicamente o normal era a ineficiência, principalmente em casos de colarinho branco", afirma à BBC Brasil o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da força-tarefa da operação Lava Jato no Ministério Público do Paraná.

"De repente se viu que era possível fazer uma investigação e chegar a uma condenação de pessoas ligadas ao próprio governo em vigor naquele momento."

Do ponto de vista da sociedade, diz o promotor Roberto Livianu, do Instituto Não Aceito Corrupção, "a pauta do STF entrou no radar das pessoas. A qualidade do debate ainda é rasa, mas há debate. Há um amadurecimento da cidadania, ainda abaixo do ideal, mas que existe. (Mas) não significa que houve uma transformação perene na forma de combater corrupção. Precisa mudar a cultura, fazer ajustes legais, mudar a maneira de fazer política."

 

 

"Ação
Image captionMudanças legais fortaleceram investigações, mas muitos veem abusos em parte das ações | Foto: Tania Rego/Ag Brasil

 

 

Para o cientista político Claudio Couto, da FGV-SP, abriu-se espaço para "uma posição mais agressiva e proativa do Judiciário em relação ao ocorrido na esfera política. Até então, as ações eram mais pontuais; muitos casos levavam anos (tramitando) e não resultavam em nada".

Mas ele e o também cientista político Carlos Melo, do Insper, lembram que a conjuntura por trás disso vai bem além do mensalão.

"As manifestações de 2013 também foram importantes para criar uma confluência (de combate à corrupção), e vários países começaram a adotar legislações mais rigorosas anticorrupção", diz Melo.

Mudanças nas leis

Influenciadas ou não pelo mensalão, leis criadas nos últimos cinco anos tiveram impacto tanto na forma como as instituições investigam quanto na forma como se faz política no país.

Em meio à pressão gerada pelos protestos de 2013, foram aprovadas em agosto daquele ano a lei anticorrupção, que responsabiliza empresas por atos contra a administração pública, e a lei de organizações criminosas, que regulou, entre outras coisas, as delações premiadas.

O novo marco legal abriu caminho para acordos de colaboração dos réus e de leniência com empresas envolvidas em crimes e tem amparado as acusações relacionadas a lavagem de dinheiro e crime organizado feitas na Lava Jato, afirma Santos Lima.

O procurador agrega que o mensalão marcou "uma nova era em relação a processos criminais".

 

 

"SergioDireito de imagemREUTERS
Image captionJuízes de primeira instância, como Moro, também viram seu protagonismo aumentar

 

 

"A tradição da advocacia criminal do Brasil é de tentar de todas as maneiras derrubar processos por meio de nulidades – 'não poderia ter feito busca e apreensão', 'não poderia ter havido condução coercitiva' – em vez de por conta do mérito da investigação", afirma Santos Lima. "Quase todas as operações (anticorrupção) do passado, como Satiagraha, Boi Barrica, Castelo de Areia, foram derrubadas por essas nulidades."

Mas o amplo uso desses recursos jurídicos virou alvo de polêmica, e muitos veem excessos e riscos aos direitos individuais nas ações de algumas investigações.

Um dos casos mais discutidos é o da apuração de suspeitas de desvios na Universidade Federal de Santa Catarina, que culminou no suicídio do reitor Luiz Carlos Cancillier. Diferentes entidades consideraram abusivos alguns aspectos da investigação, incluindo a proibição do reitor de acessar as dependências da universidade.

Couto, da FGV-SP, destaca a importância de instrumentos jurídicos como a delação premiada, mas também vê margem para críticas. "Temos casos de prisões provisórias que acabam tendo muito pouco de provisórias como forma de pressionar a delação de presos, e ações espetaculares que resultam em condução coercitiva de quem nem sabia que tinha que depor", afirma.

Livianu opina, por sua vez, que "não podemos demonizar instituições por um erro ou outro quando acertos prevalecem".

Ainda dentro do novo marco legal pós-mensalão, o promotor também cita ofensivas legislativas que segundo ele podem, em vez de intensificar o combate à corrupção, proteger políticos suspeitos.

"Temos diversas iniciativas tramadas nos bastidores para enfraquecer as investigações", diz o promotor. Ele cita, por exemplo, um projeto de lei que quer proibir as delações premiadas de presos.

A legislação virou foco de intensa disputa dos diferentes atores e instituições. Integrantes do Ministério Público Federal propuseram um projeto de lei, que obteve maciço apoio popular, batizado de "10 medidas contra corrupção". Polêmico, o projeto previa punição aos partidos políticos cujos integrantes estivessem envolvidos em corrupção e o fim da nulidade de provas que tivessem sido ilegalmente obtidas.

O conteúdo original foi modificado em votação na Câmara. Foi incluído adendo para punir abusos de autoridade de juízes e promotores – inclusão vista por Livianu como "um instrumento de vingança" por parte de parlamentares. Por outro lado, os congressistas se uniram para tentar aprovar lei que anistiasse o crime de Caixa Dois.

Juízes sob os holofotes

Decisões do Supremo Tribunal Federal também mexeram com o panorama político nos últimos anos. O financiamento privado de campanha foi proibido pela Corte em 2015 (posteriormente, o Congresso aprovou um fundo eleitoral com recursos públicos); e, em outubro passado, os ministros decidiram que réus condenados em segunda instância podem ser presos (o assunto voltará a ser analisado pelo plenário da Corte).

O Supremo, por sinal, entrou nos holofotes nos últimos cinco anos: acompanhar as decisões e as declarações dos ministros passou a fazer parte do cotidiano dos brasileiros. Parte desse apelo surgiou com a transmissão televisiva das sessões da corte.

 

 

"Joaquim
Image captionJoaquim Barbosa tem sua imagem indissociável do mensalão, diz analista | Foto: Nelson Jr./ SCO/ STF

 

 

Couto vê nisso tanto uma "judicialização da política" – quando magistrados passam a decidir aspectos relevantes do funcionamento político – quanto uma "politização da Justiça", em referência a magistrados e agentes do Ministério Público sendo levados a assumir posições de cunho político.

Para Carlos Melo, do Insper, o protagonismo do Supremo fica evidente com a fama conquistada pelo ex-ministro Joaquim Barbosa.

"Ele é considerado presidenciável até hoje pelo papel que teve no mensalão", diz o cientista político. "Sua imagem é indissociável desse caso."

A Justiça de primeira instância também se destacou desde então, ancorada sobretudo na atuação de Sergio Moro no Paraná e Marcelo Bretas no Rio, como juízes de ações ligadas à Lava Jato. Críticos, no entanto, também apontam a existência do fenômeno do "ativismo judicial". Para eles, alguns magistrados estariam extrapolando suas atribuições e tomando decisões com base em posições ideológicas e não nos códigos.

"Talvez o efeito demonstração que o mensalão gerou lá atrás tenha sido importante para abrir esse espaço – tirar a timidez (de juízes) e dar maior atenção pública a esse tipo de processo", afirma Claudio Couto.

E o que não mudou?

O mensalão pode ter sido um marco, mas foi superado pela Lava Jato em termos de amplitude – e os escândalos políticos desde então continuam a desafiar as instituições brasileiras.

Para os analistas ouvidos pela BBC Brasil, o foro privilegiado – ou seja, o fato de autoridades serem julgadas apenas nas instâncias superiores da Justiça – é uma peça-chave nessa questão.

"O mensalão foi uma denúncia relativamente pequena, sobre poucos fatos e poucas pessoas, e mesmo assim ocupou boa parte da pauta do STF durante anos. A Lava Jato é centenas de vezes maior, e isso mostra o quanto o Supremo está inviabilizado hoje se quiser dar efetividade aos processos", afirma Santos Lima, do MPF-PR.

Em maio, o Senado aprovou uma proposta de emenda constitucional que extingue o foro, e a medida agora aguarda votação na Câmara.

 

 

"Força-tarefa
Image captionProcurador Carlos Fernando Santos Lima (à dir) com a força-tarefa da Lava Jato: "Historicamente o normal era a ineficiência, principalmente em casos de colarinho branco" | Foto: Ascom MP/RJ

 

 

O tema também está sob análise no Supremo. Em novembro, a maioria dos ministros se posicionou em favor de restrições ao foro privilegiado, mas o julgamento foi interrompido por um pedido de vistas do ministro Dias Toffoli. Não há data para que ele devolva o processo à pauta da Corte.

Além do foro, outro entrave apontado ao combate à corrupção é o fisiologismo do sistema político brasileiro.

Para Livianu, a lei ainda é insuficiente para coibir ações partidárias que podem ser consideradas abusivas ou antiéticas, como "blindar" políticos sob investigação ou conceder espaço a "fichas-sujas".

Para Carlos Melo, "o mensalão ocorreu porque o governo precisava de maioria do Congresso. É diferente do que o que se estabelece hoje? O Congresso não segue exigindo contrapartidas fisiológicas, mesmo que legítimas (dentro do jogo político)? Vemos negociações em torno não de projetos, mas de cargos".

"Mas talvez tenha sido um marco inaugural: até o mensalão, não se tinha notícia de punição de pessoas em cargos tão importantes. Infelizmente foi rapidamente superado. Por outro lado, talvez signifique que nosso sistema de pesos e contrapesos tenha começado a funcionar minimamente", opina.

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