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quinta-feira, 25 de abril de 2024

Minha vida como prisioneiro da Al-Qaeda por cinco anos

2017-11-13 15:02:00

Anoitece no deserto do Saara. Deitado, Stephen McGown observa as estrelas, identificando as constelações a que fora apresentado na infância.

"Essas poderiam ser as férias da minha vida", pensa o sul-africano. "Se eu não fosse refém da Al-Qaeda."

A cena se passa no início de 2017, seu quinto ano de cativeiro.

Rotina

Enquanto esteve em poder da organização extremista, McGown seguia a rotina estabelecida pelos sequestradores.

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Image captionNo cativeiro, Stephen McGown foi obrigado a aparecer em vídeos da Al-Qaeda (Crédito: Reprodução Al Jazeera)

Ele se levantava diariamente antes de o sol raiar para a oração islâmica do amanhecer. Ajoelhava na areia, junto ao companheiro de cativeiro, Johan, e os jihadistas.

Em seguida, era servido um café da manhã com pão e leite em pó. Na sequência, os reféns voltavam a dormir ou faziam exercício.

"Éramos livres para nos deslocar em uma área do tamanho de um campo de futebol", relembra.

O almoço era espaguete ou arroz, servido com carne de cabra, ovelha ou camelo. Muitas vezes, os reféns cozinhavam a própria refeição em fogão à lenha, uma vez que os jihadistas preferiam sua comida "banhada em óleo de cozinha".

Eles passavam a parte mais quente do dia descansando em suas barracas, aprendendo e recitando o Alcorão, livro sagrado muçulmano.

"Muitas vezes, eu recitava o Alcorão na minha tenda porque os sequestradores riam da minha pronúncia, não consegui aprender bem os sons árabes", conta.

Construindo uma cabana

Em seguida, McGown tentava aprimorar sua aabuugi, cabana que ele construiu com galhos de árvores. E ficou obcecado com esse projeto, já que não lhe restavam muitas distrações.

"Eu testava se teria mais ou menos ventilação, com ou sem grama na entrada e tentava diferentes maneiras de reduzir o brilho da areia", lembra.

À noite, todos relaxavam. E McGown se esforçava para socializar com os sequestradores.

"Eles faziam chá e viam vídeos da Al-Qaeda ou, às vezes, escutavam a rádio francesa", relata.

Após a última oração, iam dormir.

"Eu pensava na minha família, se ainda estavam me esperando e se estavam vivos."

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Image captionMcGown planejava viajar pela Europa e pela África por seis meses (Crédito: Stephen McGown)

Viagem sem volta

Cinco anos antes, McGown e a mulher, Catherine, planejavam deixar o apartamento em Putney, no sudoeste de Londres, para retornar a Johannesburgo, na África do Sul, onde os dois cresceram e pretendiam formar uma família.

Na África do Sul, McGown também sonhava estabelecer um negócio para exportar óleo de jojoba produzido na fazenda do pai.

O casal se conheceu em 2006 e se casou um ano depois. Em Londres, McGown trabalhava em um banco e Catherine era fonoaudióloga infantil do Serviço Público de Saúde (NHS).

"A gente tinha um grupo grande de amigos e costumava ir para o campo nos fins de semana", diz McGown, que também gostava de pegar a moto para ir pescar.

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Image captionMcGown se casou com Catherine em 2007 (Crédito: Stephen McGown)

Enquanto Catherine planejava o retorno do casal a Johannesburgo, McGown partiu para sua "última grande aventura" de moto pela África e Europa.

Ele saiu do Reino Unido no dia 11 de outubro de 2011 e viajou pela França e Espanha até Gibraltar, onde atravessou para o Marrocos. Em 9 de novembro, chegou ao Mali.

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Image captionMcGown cruzou de moto a França e a Espanha até chegar a Gibraltar, onde atravessou para o Marrocos (Foto: Stephen McGown)

Grande parte da viagem foi feita na companhia de um motociclista holandês chamado Fokke. Eles se separavam ocasionalmente, quando McGown parava para observar aves.

Do Mali, os dois pretendiam seguir até Burkina Faso, mas no último momento decidiram ir para Timbuktu junto com outros turistas. McGown chegou um dia antes de Fokke e fez check-in em um hotel barato. Ele estava acompanhado de um casal de holandeses, Sjaak e Tilly Rijke, que conheceu no Marrocos, e mais dois turistas, o sueco Johan Gustafsson e um alemão chamado Martin.

Captura

No dia 25 de novembro, os turistas acordaram cedo e saíram para caminhar em Timbuktu. Ao voltar para o hotel, McGown decidiu relaxar no pátio. Foi quando um grupo de homens entrou correndo no local.

Na confusão, McGown escutou Tilly gritar para que todos deitassem no chão.

"O alemão resistiu, e logo escutei disparos", conta.

"Eu disse para os que estavam comigo: 'acho que mataram Martin'."

O deserto

Malcolm McGown estava em sua casa em Johannesburgo quando o telefone tocou. Ele esperava ouvir a voz do filho, com quem havia conversado por Skype dias antes, quando ele estava no Mali.

Mas era a mãe do holandês Fokke.

"Ela me perguntou se eu era o pai de Stephen. E contou que eles haviam sido sequestrados pela Al-Qaeda", recorda-se. "Eu fiquei em choque, não sabia o que fazer."

Após dar a notícia à mulher, Beverley, Malcolm tentou contato com alguns órgãos do governo, mas não teve resposta. Ligou então para a filha, que estava em Londres com Catherine, mulher de Stephen.

"Não dormi muito nos primeiros dias", diz Catherine. "Tinha muita esperança. Achava que seriam apenas poucas semanas antes de voltar a vê-lo."

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Image captionEm vídeo da Al-Qaeda, Stephen McGown aparece com seus colegas de cativeiro, um sueco e um holandês (Crédito: Reprodução)

Início no cativeiro

Enquanto isso no Mali, McGown era transportado de carro pelo deserto.

"Nos levaram até o norte em uma viagem de 15 horas", relembra o sul-africano, que foi obrigado a viajar deitado com os outros reféns, o holandês Sjaak e o sueco Johan.

Em determinado momento da viagem, McGown "gelou" quando se deu conta que estava com seu segundo passaporte, o britânico – ele tem dupla nacionalidade.

"Sabia o que já tinha acontecido com reféns britânicos no passado."

Os três reféns foram deixados em algum lugar do deserto do Saara, no norte de Mali.

Eles foram informados que haviam sido sequestrados pela Al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQMI), grupo formado a partir de organizações que lutavam contra o governo argelino na década de 1990.

Eles sequestravam cidadãos ocidentais no norte da África e os trocavam por prisioneiros islamitas ou dinheiro.

"Eles falaram em um inglês péssimo que nos matariam. Mas talvez tenham dito isso para que a gente não causasse problemas e fizesse o que eles queriam. Estávamos petrificados", diz.

Quando os sequestradores acharam o passaporte britânico de McGown, começaram a rezar e a se inclinar na areia.

"Estavam muito felizes e emocionados. Eu expliquei que era sul-africano e que nasci e fui educado ali. Mas eles se referiam a mim como britânico, o que me assustou."

Os três reféns eram vigiados por 17 jihadistas que portavam armas e granadas.

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Image captionJihadistas que vigiavam os reféns estavam fortemente armados (Crédito: Al Jazeera)

Precisavam pedir permissão para ir ao banheiro e à noite eram acorrentados. A cada duas semanas, quando eram levados de um acampamento para outro, tinham os olhos vendados.

Nas primeiras semanas, os reféns se questionavam se iriam morrer, tentavam descobrir onde estavam e vislumbravam uma possível fuga.

"Mas logo percebemos que isso poderia colocar os demais em perigo, que não falávamos o idioma e não saberíamos onde encontrar água."

Enquanto o sueco Johan achava que as negociações poderiam levar anos, McGown e Sjaak eram mais otimistas. O pai de McGown também tinha mais esperança. Ele se reuniu com a polícia sul-africana responsável por tentar localizar os reféns.

"Era possível que os reféns fossem resgatados rapidamente e que tivéssemos Stephen de volta em fevereiro ou março de 2012", diz Malcolm. "Mas houve um golpe de Estado no Mali e todos os planos foram cancelados".

A vida em cativeiro

"McGown
Image captionMcGown aparece em mais um vídeo da Al-Qaeda; ele se converteu ao islã seis meses após ser preso (Crédito: Reprodução)

Em março de 2012, o governo do Mali foi deposto. E, ao mesmo tempo, os tuaregues (povo de tradição nômade do deserto do Saara) passaram a controlar as cidades e povoados do norte.

Logo, os grupos jihadistas – incluindo a Al-Qaeda – tomaram o poder. Com o caos instalado, a negociação com os sequestradores se perdeu.

Em julho, um vídeo postado no YouTube mostrava McGown e Johan com barbas longas e usando túnicas. McGown dizia: "Hoje recebi uma carta dos meus pais. Estou saudável e estão me tratando bem".

A carta havia sido escrita por sua família, mas ele nunca chegou a lê-la. Foi retirada assim que as câmeras foram desligadas.

Os reféns gravaram ao menos 15 vídeos, mas só alguns foram divulgados.

"Chegava um homem e nos contava como estavam as negociações. Depois falava para pedirmos ajuda a certas pessoas e para agradecermos outras", lembra McGown.

Conversão ao islã

Ele tomou então a decisão de criar uma relação com seus algozes. Por isso, se converteu ao islã seis meses após o sequestro.

"Eu era cristão e muitas das histórias do islã são as mesmas. A religião me deu estabilidade no deserto", afirma.

Sjaake e Johan também se converteram e todos notaram uma melhora imediata na forma em que eram tratados. Rezavam e participavam das refeições com os sequestradores, que lhes ensinavam árabe para que pudessem compreender o Alcorão.

No entanto, nunca ensinaram a eles o dialeto hassaniya, que falavam entre si.

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Image captionMcGown conta que os sequestradores passaram a lhe tratar melhor depois que se converteu ao islã (Crédito: Gift of the Givers)

Da segunda vez que chegou uma carta da família, deixaram McGown ler.

"Me senti bem, todos me enviavam seu amor."

"Minha mulher me contou que tinha ido ao casamento de uns amigos, que estava participando de um clube de corrida. E que estavam fazendo o possível para nos libertar", recorda-se.

Em janeiro de 2013, uma ofensiva de tropas francesas no Mali recuperou o controle das cidades de Gao e Timbuktu.

McGown diz que essa foi a hora "mais sombria", o momento em que achou que nunca seria libertado. Ele acreditava que poucos governos considerariam negociar com a Al-Qaeda, enquanto lutavam contra as forças ocidentais no Mali.

Nessa época, os reféns eram transferidos semanalmente pela Al-Qaeda, e Johan decidiu fugir.

"Achei que ele estava louco. Parecia não entender nada da África e das suas distâncias. O trouxeram de volta no dia seguinte", conta McGown.

Em represália, os sequestradores tiraram dos reféns seus poucos objetos pessoais. Após um ano, Sjaak foi separado de McGown e Johan sem explicação. Ele seria libertado de outro acampamento anos depois, por tropas francesas.

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Image captionO sueco Johan tentou fugir, mas foi recapturado pelos jihadistas

McGown seguia sem acreditar que seria libertado, como diziam os sequestradores.

Ele tinha medo que sua família o tivesse esquecido e que a mulher, Catherine, tivesse desistido do relacionamento.

"Queria o melhor para ela, estávamos na idade de ter filhos", diz. "Decidi que se ela conhecesse outro homem, teria que aceitá-lo. Quase esperava que isso tivesse acontecido."

Mediadores em ação

Catherine havia voltado para Johannesburgo e tentava tocar a vida. Evitava olhar fotos do casal em férias e pensar demais no passado.

"Me agarrei a um fiozinho de esperança, apesar de a situação ser muito triste", diz ela.

Enquanto isso, o pai de McGown continuava tentando alavancar as negociações para a libertação do filho. Decidiu que era necessário contratar um negociador independente, mas tomou decisões ruins nessa busca.

"Pagamos homens que diziam ser influentes e ter acesso a eles, quando não tinham", lembra.

Malcolm entrou em contato então com uma organização beneficente chamada Gift of the Givers, que havia negociado com sucesso a liberação da sul-africana Yolande Korkie, também sequestrada pela Al-Qaeda, no Iêmen.

O fundador da organização, Imtiaz Sooliman, aceitou ajudar e passou a enviar recados para os sequestradores de McGown, via intermediários.

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