2017-06-13 10:02:00
Todos os dias, centenas de crianças atravessam os portões da Arena Pantanal em Cuiabá. Mas elas não estão indo a um jogo de futebol – estão indo para a escola. O estádio com capacidade para 41 mil pessoas construído para a Copa do Mundo é hoje um colégio estadual para 300 alunos de 12 a 17 anos.
Essa passou a ser a principal função da arena, que ficou às moscas pela escassez de jogos e eventos – que nunca conseguiram atrair bom público. Os custos para a sua manutenção são de R$ 700 mil por mês, gerando um prejuízo de milhões para o Estado.
"A principal fonte de renda (do estádio) é o governo, que banca", contou à BBC Brasil Leonardo de Oliveira, Secretário Adjunto de Esporte e Educação do Mato Grosso. "Nós temos aqui alguns times, mas eles não têm torcida muito grande. Não dá para bancar com os jogos. E para os shows, não tem público para encher. A gente faz shows nacionais aqui de 10 mil pessoas, é pequeno para uma arena de 40 mil. Construíram um estádio desse que não tem como ter renda."
Passados três anos do início da Copa do Mundo no Brasil, o cenário nos estádios construídos para o Mundial é bem diferente de 2014, quando receberam grandes espetáculos de futebol com arquibancadas lotadas. Hoje, sofrem para preencher as cadeiras e conseguir cobrir os altos gastos de manutenção.
A realidade em Cuiabá não é diferente da de outros quatro estádios construídos para o Mundial. Assim como na capital do Mato Grosso, em Brasília, Manaus e Natal o grande problema é a falta de tradição do futebol local – e de torcidas que encham estádios. Entre os 12 estádios construídos ou reformados, esses cinco são os "elefantes brancos" por serem, de longe, os mais vazios e com mais desafios para eliminar os prejuízos.
Uma saída, pelo menos até o ano passado, tem sido sediar partidas de grandes clubes do Sudeste, como Flamengo e Corinthians, que poderiam vender seus mandos de campo a esses estádios. Mas em 2016 a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) proibiu que as equipes transferissem seus jogos para outros Estados.
Em Recife, o caso é mais peculiar: a cidade tem três clubes fortes e tradicionais, mas a Arena Pernambuco, construída em um local afastado da capital, não têm atraído torcedores como se esperava e agora também sofre para fechar as contas.
A estimativa é que os cinco "elefantes brancos" citados acima dão um prejuízo anual aos cofres públicos de mais de R$ 30 milhões.
E entre os 12 estádios construídos ou reformados para a Copa, só duas arenas não estão tendo suas obras investigadas – o Beira-Rio e a Arena da Baixada (Curitiba). As outras, geraram suspeitas de corrupção, fraude na licitação, superfaturamento e propina paga a políticos das cidades-sede.
Para marcar os três anos do início da Copa nesta segunda-feira, a BBC Brasil fez um levantamento sobre custos e arrecadações anuais e como estão sendo utilizados os estádios tidos como os cinco "elefantes brancos" entre os construídos ou reformados para a Copa, por serem, de longe, os mais vazios e com mais desafios para eliminar os prejuízos.
São eles: Mané Garrincha (Brasília), Arena Pantanal (Cuiabá), Arena da Amazônia (Manaus), Arena das Dunas (Natal) e Arena Pernambuco (Recife).
Estádio | Custo de construção | Custo mensal de manutenção | Arrecadação em 2016 | Prejuízo |
---|---|---|---|---|
Arena da Amazônia | R$ 660,5 milhões | R$ 550 mil | R$ 1,11 milhão | R$ 5,5 milhões |
Arena Pantanal | R$ 628 milhões | R$ 700 mil | não informou | R$ 8,3 milhões |
Arena das Dunas | R$ 423 milhões | sem informações disponíveis | sem informações disponíveis | sem informações disponíveis |
Arena Pernambuco | R$ 532 milhões | R$ 860 mil | R$ 2,4 milhões | R$ 7,92 milhões |
Mané Garrincha | R$ 1,8 bilhão | R$ 700 mil | R$ 1,70 milhão | R$ 6,4 milhões |
Arena da Amazônia
O estádio de Manaus foi considerado um dos "mais bonitos" construídos para a Copa. Depois do Mundial, foi palco de partidas de futebol da Olimpíada e de amistosos da seleção brasileira, e sediou partidas de clubes cariocas como Flamengo e Vasco, que têm um bom número de torcedores em terras amazonenses.
Com custo de R$ 550 mil por mês para manutenção, o estádio de 40 mil lugares via nos jogos dos times do Sudeste sua principal fonte de renda. No entanto, com a mudança nas regras da CBF, a situação ficou difícil.
Para reduzir o deficit, a administração do estádio aposta no futebol local, para que ele possa "se pagar" já no ano que vem e, no futuro, ser até uma fonte de recursos para o governo.
Em entrevista à BBC Brasil, Fabrício Lima, secretário de Esportes e Lazer do Amazonas, lamentou a falta de apoio da CBF.
"Há algumas decisões da CBF que vão de encontro a tudo aquilo que eles pregaram na Copa do Mundo, de legado, daquilo que eles queriam para o futebol. A entidade que deveria fomentar os estádios e ajudar a fazer com que eles crescessem e junto com eles o futebol local, não faz isso."
Lima contou que a estratégia foi abrir as portas para os clubes locais, sem cobrar deles. Com jogos e eventos a casa semana, segundo Lima, o "cartão-postal" da cidade ganha vida e afasta o estigma de "elefante branco".
"Aqui é como uma empresa, ela não vai dar lucro de uma hora pra outra. Esse ano, o público ainda está muito aquém…mas ele vem melhorando a cada ano", disse Lima.
O futebol feminino também tem sido incentivado dessa maneira, segundo Lima. O Iranduba, equipe amazonense que se firmou no cenário nacional no ano passado e já levou o maior público da arena em jogos locais (mais de 17 mil pessoas em partida pela Liga de Futebol Feminino Sub-20 em 2016), não paga aluguel para atuar no estádio e fica com toda a renda dos jogos. "É uma forma de fomentar o futebol feminino. A gente acredita que é um investimento a médio e longo prazo nosso para os clubes locais."
A Arena da Amazônia é alvo de investigação por fraude na licitação. Segundo delação da Odebrecht, a licitação em Manaus teve um acordo para que fosse vencida pela Andrade Gutierrez.
Mané Garrincha
O estádio de Brasília, com capacidade para 72 mil pessoas, foi o mais caro da Copa do Mundo, chegando a custar quase R$ 2 bilhões. Atualmente, o ex-governadores do Estado José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT) e o ex-vice-governador de Brasília Tadeu Filippelli (PMDB) estão presos suspeitos de participar de um esquema de superfaturamento de até R$ 900 milhões na arena – a investigação faz parte da Operação Panatenaico da Polícia Federal.
O estádio gera um prejuízo anual de mais de R$ 6,4 milhões. Com um custo mensal de R$ 700 mil, o Mané Garrincha tem sobrevivido de shows nacionais, eventos sociais, como formaturas e festas evangélicas, e raros jogos – em 2016, foram 60 eventos, sendo 14 deles partidas de futebol.
"Nós fomos contrários à construção. Mas agora já está ali. Tem que trabalhar o estádio com o vetor de desenvolvimento econômico para a cidade e o Estado", disse Jaime Recena, secretário adjunto de Turismo e Esporte.
Para reduzir o deficit, o governo levou 3 secretarias estaduais para o local. "Isso representou uma economia de R$ 10 milhões pro Estado em aluguel. Claro que o estádio não foi construído pra isso, mas a gente tem que buscar a solução", afirmou Recena.
A ideia da pasta agora é entregar o Mané Garrincha para a iniciativa privada e a previsão é de que a licitação aconteça ainda neste ano.
Arena Pantanal
O custo mensal é de R$ 700 mil, mas a atual administração da Arena Pantanal não sabe quanto o estádio arrecadou em 2016, nem o tamanho do prejuízo. Mas segundo estimativa da revista Época, a arrecadação do ano passado foi de apenas R$ 100 mil – o que representaria um deficit de R$ 8,3 milhões.
"A arrecadação só foi regulamentada em agosto de 2016, portanto não há dados relativos a 2015 e como já ocorreu na parte final do ano, também não temos os dados precisos dos eventos. Como houve a mudança na gestão do estádio, não foi possível obter os valores relativos aos cinco meses de 2016 após a regulamentação", afirmou a secretaria de Educação, Esporte e Lazer.
Por enquanto, a melhor utilização para aproveitar a arena de 41 mil lugares em Cuiabá foi fazer dela uma escola, instalada há três meses e com 300 alunos.
"Já que o estádio está aí, nós temos que usar", disse o secretário Leonardo de Oliveira. "A arena aqui fica num complexo esportivo com piscina olímpica, quadra de vôlei de areia, ginásio, etc. Os alunos estudam normal e no outro turno são 3 horas de esporte. Nossa ideia é fazer uma escola estadual voltada ao esporte, com 10 modalidades para começar a trabalhar atletas. Eles terão acompanhamento de médicos, dentistas, fisioterapeutas e tudo mais."
A construção da Arena Pantanal também é alvo de investigação por corrupção. O ex-governador do Mato Grosso, Silval Barbosa (PMDB) foi acusado pelo ex-secretário da Copa do Estado, Eder Moraes, de ter recebido propina no valor de R$ 5 milhões para acelerar a contratação da obra. Os dois estão presos.
Arena das Dunas
A Arena das Dunas é outra obra sob investigação da Polícia Federal, na Operação Manus, que apura crimes de corrupção e lavagem de dinheiro na construção do estádio, além de um superfaturamento de R$ 77 milhões. O ex-ministro (do Turismo) e deputado federal Henrique Alves (PMDB) foi preso na semana passada como alvo da operação.
O estádio também depende dos cofres públicos para se pagar. Um dos mais utilizados no período pós-Copa, a arena de Natal agora recebe poucos jogos e, segundo levantamento da revista Época, acumulou mais de R$ 35 milhões de prejuízo entre 2014 e 2015. A reportagem entrou em contato com a administração do estádio, mas não obteve resposta sobre custos e arrecadação.
A Arena das Dunas foi construída como uma parceria público-privada (PPP); a concessão vale por duas décadas, e o Estado pagará por ela durante os próximos 17 anos. Nos primeiros 11 anos, o governo arcará com a prestação de R$ 9 milhões mensais; do 12º ano ao 14º, serão R$ 2,7 milhões; e nos últimos três anos, R$ 90 mil. A OAS, construtora da arena e a quem o governo do Rio Grande do Norte havia concedido sua administração, colocou 100% dos ativos do estádio à venda em 2015.
Arena Pernambuco
A Arena Pernambuco foi construída em São Lourenço da Mata, a 20 km de Recife, em um projeto da Odebrecht batizado de "Cidade da Copa", que incluiria o desenvolvimento da região com a construção de hotéis, centro comercial e outras atrações no entorno estádio. No entanto, somente a arena saiu do papel – e hoje o projeto é alvo de investigação da Operação Fair Play por fraude na licitação e superfaturamento de pelo menos R$ 42 milhões.
Em nota, o governo de Pernambuco disse à BBC que o plano era que a Cidade da Copa fomentasse o desenvolvimento da Zona Oeste, mas que "obras não avançaram e, por enquanto, somente a Arena Pernambuco é o equipamento pronto do projeto inicial. A área é de propriedade do Estado e terá, no tempo próprio, a utilização adequada".
A Odebrecht, que mantinha um consórcio para administrar o estádio, teve seu contrato rompido há um ano pelo governo do Estado, porque, segundo este, "as receitas projetadas pela concessionária não se confirmaram".
Até então, o custo mensal do estádio para 46 mil pessoas era de R$ 2 milhões. Agora, a Secretaria de Esportes do Estado tenta reduzir isso para torná-lo viável economicamente.
Antes, com o consórcio, somente o Náutico, dos três clubes de Recife, tinha contrato para jogar na arena. No entanto, esse contrato foi rompido – o time agora busca fazer uma reforma no seu próprio estádio, os Af