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terça-feira, 19 de março de 2024

Você aceitaria passar por um detector de mentiras no trabalho?

2018-12-06 11:02:00

"Polígrafo"

Direito de imagem

GETTY IMAGES

Image captionOs testes de polígrafo existem desde 1921 e ainda são amplamente utilizados

Nas audiências para aprovar a indicação do juiz Brett Kavanaugh para a Suprema Corte dos EUA, a palavra "polígrafo" surgiu mais de uma vez.

O presidente Donald Trump indicou o juiz para um cargo vitalício na mais alta corte do país, que tem a palavra final sobre temas polêmicos, como aborto e casamento gay. Mas as denúncias de assédio sexual contra ele atrasaram a nomeação. Foi durante as audiências do comitê do Senado, em outubro, que os polígrafos foram mencionados.

São os chamados detectores de mentiras, usados para indicar se alguém não está falando a verdade, com base em reações fisiológicas, como um pico de pressão arterial, que podem ser acionadas por determinadas perguntas.

O dispositivo foi mencionado porque Christine Blasey Ford se submeteu a um teste de polígrafo após acusar Kavanaugh de tentar abusar sexualmente dela quando estavam no ensino médio. Ele, que nega a acusação, não passou por um detector de mentiras.

Os polígrafos são usados com frequência nos EUA em investigações criminais ou interrogatórios feitos pela polícia ou agências do governo. As audiências de Kavanaugh, por sua vez, foram descritas pelos senadores como uma "entrevista de emprego" de alto nível.

Em muitos países, a aplicação de testes de polígrafo como parte de um processo seletivo de emprego ou em outros contextos é ilegal. Mas hipoteticamente – em um mundo repleto de empresas que rastreiam dados e monitoram cada movimento seu – se um novo chefe em potencial pedir que você se submeta a um detector de mentiras, o que você faria? Se estão procurando o candidato ideal para preencher a vaga, sem que haja qualquer sombra de dúvida, por que não?

Qual seria o problema se você não tem nada a esconder?

Isso é permitido por lei?

Depende de onde você mora.

Em grande parte da Austrália, por exemplo, sim. Mas em muitos países, não é. No Brasil, a lei permite que as empresas fiscalizem seus empregados, sem proibir especificamente o uso de polígrafo. Mas o Tribunal Superior do Trabalho, que serve de referência para magistrados de todas as instâncias, condenou em 2017 uma empresa aérea que utilizou o instrumento em um questionário de segurança aplicado a um funcionário. Segundo a corte, ninguém pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo.

Nos EUA, por exemplo, os polígrafos foram proibidos em ambientes de trabalho do setor privado desde 1988. Mas ainda é possível usá-los em seleções para cargos nas agências de segurança ou inteligência do governo.

Em outros lugares, não há leis em vigor para proteger os funcionários dos testes de polígrafo, como na África do Sul. Em Israel, por exemplo, eles são permitidos em processos seletivos de emprego, enquanto o Quênia usa a ferramenta como parte do plano para acabar com a corrupção na política.

Os testes de polígrafo existem desde 1921 e ainda são amplamente utilizados, apesar de terem eficácia questionada.

"Eles podem ser muito úteis na identificação de questões e problemas que demandem mais apuração e acompanhamento", diz Jeffrey Feldman, professor da Escola de Direito da Universidade de Washington, em Seattle, nos EUA.

"Um resultado negativo pode não te levar a descartar um candidato, mas seria razoável você analisar mais."

Independentemente de os testes de polígrafo serem ilegais ou não no ambiente de trabalho, há questões maiores que poderiam tornar seu uso problemático em tal contexto, segundo os especialistas.

"Basicamente, o uso do detector de mentiras pode dar a entender a um funcionário em potencial que o empregador não confia nele", diz Andre Spicer, professor de comportamento organizacional da Cass Business School, da City University, em Londres. Os candidatos podem perder "a dignidade e a confiança em seu futuro empregador", acrescenta.

Um adeus à confiança?

Doug Williams é um ex-policial e administrador de testes de polígrafo nos EUA – afirma já ter realizado mais de 6.000 sessões com o equipamento. Ele escreveu um livro e deu aulas sobre como enganar o dispositivo – chegou a cumprir pena de dois anos de prisão em 2015 após ser flagrado em uma operação policial ajudando agentes infiltrados a burlar o detector de mentiras.

Mas por que ele adotou uma postura tão radical contra os testes de polígrafo? Para ajudar as pessoas a se protegerem, diz ele.

"É uma fraude de bilhões de dólares e destrói a vida de milhões de pessoas." E completa: "Não é mais preciso do que cara ou coroa".

Além do manual que escreveu, ele conta que a internet está repleta de dicas sobre como as pessoas podem relaxar para controlar as reações fisiológicas que supostamente indicam quando alguém está mentindo, como pulso acelerado ou suor.

Mas, após décadas de estudo e aplicação de testes de polígrafo, Williams diz que o dispositivo não é nada além de uma ferramenta de intimidação, o que poderia levar a sérios problemas se fosse introduzido no ambiente de trabalho.

"É um cassetete psicológico que coage e intimida para se obter uma confissão. Isso apavora as pessoas", afirma. "Eu nunca trabalharia para uma empresa que exige teste de polígrafo, porque estão iniciando uma relação com um processo contraditório."

Então, será que as empresas estariam usando o polígrafo mais como uma tática de avaliação do que como uma forma de obter respostas verdadeiras para questões difíceis? Ou seria mais uma medida para saber até que ponto os candidatos são capazes de lidar com esse tipo de estresse extremo?

Susan Stehlik é professora de comunicação gerencial na Universidade de Nova York, nos EUA. Ela compara os polígrafos de escritório a um "teste de estresse" para jovens candidatos a trabalhar em um fundo de investimento, do qual participou como consultora independente.

"Eles perguntavam ao estudante, com quatro ou cinco pessoas mais velhas na sala, qual é a raiz quadrada de 563 mil." Segundo ela, o raciocínio era: "Se você quer ser um operador, precisa saber de números".

Mas, na opinião de Stehlik, um teste tão obscuro não dá pistas sobre como vai ser de fato o desempenho da pessoa no trabalho.

Williams acredita que a única coisa que um polígrafo de escritório poderia provar – além de saber se alguém está nervoso ou envergonhado, tem um ritmo cardíaco acelerado e é reprovado – seria se o indivíduo é um mentiroso experiente, capaz de passar no teste sem mover uma agulha sequer.

Ambiente de trabalho tóxico

Stehlik compara a adoção dos polígrafos aos testes obrigatórios de drogas nos EUA nos anos 1980, uma iniciativa do então presidente Ronald Reagan. Ela acha crucial que as empresas se perguntem: por que você está fazendo isso? Em razão de um empregado problemático? E todos terão de se submeter a isso?

"Só vai acirrar mais a desconfiança que existe entre empregador e empregado", avalia. Além disso, o que seria feito com as pessoas que não passarem no teste? Enviá-las para um centro de reabilitação? Mandá-las embora? Aplicar advertências?

Esses tipos de teste podem permitir que os gerentes exerçam mais controle sobre os trabalhadores em potencial, diz Dan Cable, professor de comportamento organizacional da London Business School, no Reino Unido.

"Fica esquisito quando você começa a perguntar às pessoas sobre escolhas de vida que elas fizeram que não estão relacionadas ao trabalho." E acrescenta: "Você não sabe o que eles vão te perguntar. É como conhecer os sogros. A parte surpresa do ataque faz a grande diferença".

Mas, na verdade, o polígrafo pode em alguns casos ajudar os funcionários, afirma Steve van Aperen, diretor da Australian Polygraph Services. Na Austrália, o uso de detectores de mentira no ambiente corporativo é legal na maioria dos Estados – mas apenas com o consentimento dos funcionários.

A maioria das pessoas imagina o dispositivo sendo usado por chefes para descobrir comportamentos criminosos ou antiéticos, mas a ferramenta também pode proteger os trabalhadores de acusações falsas.

"Recebo mais ligações de funcionários que dizem 'olha, eu fui falsamente acusado disso, não é verdade – quero mostrar a verdade'", conta van Aperen.

Pesquisas sugerem que, se você se recusar a revelar informações sobre si mesmo, o tiro pode sair pela culatra. Em um estudo de 2015 da Universidade Harvard, nos EUA, os participantes receberam questionários online de hipotéticos parceiros e funcionários que esconderam informações desfavoráveis sobre si mesmos – como uso de drogas, notas baixas, histórico sexual. E julgaram eles com mais rigor do que aqueles que admitiram o mau comportamento "na hora de decidir quem namorariam ou contratariam".

O estudo mostrou que a natureza humana desconfia mais de pessoas relutantes em revelar detalhes pessoais do que daquelas que assumem um comportamento negativo logo de cara. "Quando confrontados com decisões sobre exposição, os tomadores de decisão devem estar cientes não apenas do risco da exposição", diz a pesquisa, "mas do que a ocultação revela".

Quanto os empregadores devem saber sobre você?

Vivemos em um mundo onde as empresas podem rastrear todos os seus movimentos e monitorar seus dados. Algumas pessoas podem achar que não têm nada a esconder – não se importar com a privacidade ou em passar por um detector de mentiras. Podem dar de ombros e pensar: Eu realmente preciso desse trabalho.

Mas vale a pena considerar o que poderia acontecer se os testes de polígrafo no ambiente trabalho fossem mais disseminados.

"Se a maioria dos funcionários concordar em se submeter a um detector de mentiras, então, naturalmente, vai recair alguma suspeita sobre aqueles que se recusarem", afirma Nick Bostrom, professor de ética da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

"A recusa envia um sinal negativo – sugere que você tem algo a esconder."

E quanto aos resultados em si? Não há dados concretos sobre a precisão ou a taxa de sucesso dos testes de polígrafo. Muitos tribunais não permitem que os resultados sejam usados como prova.

"Os testes de polígrafo são pouco confiáveis, mas uma pista fraca pode ser melhor do que nenhuma pista" na cabeça de alguns empregadores, diz Bostrom.

"Os resultados precisam ser combinados com outras fontes de evidência, não se pode confiar cegamente neles."

 

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