2018-05-21 15:02:00
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O desafio matemático anual apresentado pela Academia de Ciências em Paris em 1727 foi este: "Qual a melhor maneira de organizar mastros num barco?"
À primeira vista, é um problema muito prático, mas o jovem matemático suíço Leonhard Euler abordou-o como um quebra-cabeças puramente matemático.
Apesar de nunca ter posto o pé num barco, ele se sentiu perfeitamente qualificado para calcular a melhor disposição dos mastros.
"Não me pareceu necessário confirmar esta teoria com experimentos práticos, porque ela deriva dos princípios mais seguros da matemática. Não há dúvida sobre sua validade e funcionamento na prática", declarou.
Leonhard Euler tinha uma fé absoluta na matemática. Ele emprestou o nome a várias fórmulas e princípios e, 50 anos após a morte, seu trabalho ainda seguia sendo publicado.
Euler fez reformulações de quase todas as áreas da matemática. Como que por hobby, resolveu o problema das sete pontes de Königsberg, um popular enigma do século 18.
"Para Euler, resolver o problema foi uma forma de entretenimento. Era algo ameno para ele", disse à BBC o especialista em tecnologia Bill Thompson.
"Claro que ele não tinha ideia de o quanto aproveitaríamos o seu trabalho, de como construiríamos sobre suas ideias e nem que as usaríamos para criar uma plataforma de buscas que mudaria o mundo por completo."
Thompson se refere à internet.
'Calcular era como respirar'
Desde criança. Leonhard Euler fazia cálculos sem qualquer esforço aparente. Fazia isso assim como os homens respiram ou como as águias se sustentam no ar, dizia o matemático francês François Arago.
Testava teoremas por divertimento, assim como eu e você poderíamos fazer o Sudoku. Mas o pai de Euler, que era sacerdote, queria que o filho seguisse seus passos.
"Tive que me inscrever na faculdade de teologia e me esforçar no aprendizado dos idiomas grego e hebreu, mas não progredi muito, porque dedicava a maior parte do meu tempo aos estudos da matemática. Para a minha alegria, as visitas de Johann Bernoulli aos sábados continuaram", escreveu o matemático.
Johann Bernoulli foi um destacado matemático da Basileia, cidade natal de Euler. A família de Bernoulli "produziu" oito bem-sucedidos matemáticos em apenas quatro gerações.
Johann foi tutor de Euler e convenceu o pai deste a permitir que estudasse matemática em vez de teologia.
E foi o filho de Johann, Daniel, grande amigo de Euler, que conseguiu para ele o primeiro emprego na Academia de São Petersburgo, onde trabalhava.
Euler assumiu uma função na área médica, o que não era o ideal. Dedicado, antes de ir à Rússia, o matemático leu tudo o que podia sobre medicina. Conseguiu converter a fisiologia da orelha em um problema matemático.
No dia em que Euler chegou a São Petersburgo, a czarina Catarina 1ª, da Rússia, grande patrona da Academia de São Petersburgo, morreu.
Em meio à confusão, Euler discretamente se transferiu do departamento de medicina para o departamento de matemática.
Cruzando pontes
Enquanto trabalhava em São Petersburgo, o matemático suíço tomou conhecimento do enigma das sete pontes de Königsberg.
A cidade prussiana de Königsberg estava dividida em quatro regiões diferentes banhadas pelo rio Pregel. Sete pontes conectavam essas quatro áreas e, na época de Euler, um passatempo comum entre os residentes era tentar encontrar uma maneira de cruzar todas as pontes apenas uma vez e voltar ao ponto de partida.
Euler escreveu uma carta ao astrônomo da Corte de Viena em 1736, descrevendo o que pensava sobre o problema:
"Esta pergunta é tão banal, mas me parecia digna de atenção porque nem a geometria, nem a álgebra, nem sequer a arte de fazer contas eram suficientes para respondê-la. Diante disso, me ocorreu perguntar se a resposta estaria na geometria de posição. Portanto, depois de um pouco de deliberação, obtive uma regra simples, com a ajuda da qual pude decidir de imediato se esta ida e volta é possível."
Em vez de caminhar interminavelmente pela cidade, testando diferentes rotas, Euler criou uma nova "geometria de posição", pela qual medidas como longitude e ângulo são irrelevantes. O que importa é verificar como as coisas estão conectadas.
Euler decidiu pensar nas diferentes regiões de terra separadas pelo rio como pontos, e as pontes que as unem, como linhas que conectam os pontos.
Descobriu o seguinte: para que uma viagem de ida e volta (sem retornar pelo mesmo caminho) seja possível, cada ponto – com exceção do ponto de partida e do ponto final – deve ter um número par de linhas entrando e saindo.
A vantagem da regra de Euler é que ela funciona para qualquer situação.
Quando analisou o mapa das sete pontes de Königsberg dessa maneira, o matemático descobriu que cada ponto – ou pedaço de terra – tinha um número ímpar de linhas ou pontes que emergiam delas.
Assim, sem ter que caminhar pela cidade, Euler descobriu matematicamente que era impossível andar por toda a cidade cruzando cada ponte apenas uma vez.
Do século 18 ao 21
A regra de Euler é fácil de aplicar. E não é preciso ser um matemático para perceber que ela é útil em diferentes situações.
A solução matemática ao enigma de Königsberg agora impulsiona uma das redes mais importantes do século 21: a internet, que conecta milhões de computadores em todo o mundo e move dados digitais entre eles numa velocidade incrível.
"Se tenho meu computador em casa e quero entrar num site, preciso fazer uma conexão entre meu computador e o site na web, que pode estar em qualquer lugar", diz Bill Thomson.
"Consigo fazer essa conexão porque meu computador está programado pela regras baseadas no trabalho que Euler desenvolveu no século 18, ao resolver o enigma das pontes de Königsberg", explica o especialista em tecnologia.
O enigma de Königsberg estava longe de ser um problema urgente naquele momento – era mais uma curiosidade -, mas sua solução perdurou e revolucionou a era da informação do século 21.
O que para Euler foi apenas um passatempo teve papel decisivo no mundo em que vivemos hoje.
*Marcus du Sautoy é matemático, professor da Universidade de Oxford e apresentador da BBC