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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Saúde: Herdeiros do vírus desafiam a AIDS

2007-08-01 15:45:37

Patricia Zaidan e Fernanda Quinta


      Ninguém antes deles viveu para contar como é nascer e crescer sob o fantasma da aids – no começo da década de 80, os bebês infectados pela mãe não tinham a menor chance de sobrevida e morriam logo.Vinte e cinco anos depois da descoberta da síndrome da imunodeficiência adquirida e 19 anos após o surgimento do AZT, o remédio pioneiro contra a doença, essa é a primeira geração de herdeiros do HIV que se aproxima da idade adulta. Eles começam a definir a própria identidade, ensaiam uma escolha profissional e experimentam o sexo. Nesse período de passagem, enfrentam um desafio um tanto mais agudo do que para a maioria dos jovens: a aids ainda é uma doença carregada de mitos, associada à morte, ao preconceito e ao isolamento social.


    Somase a isso o fato de que,em geral já órfãos, lidam com os sofridos efeitos colaterais do tratamento (hoje à base de um coquetel que combina até 17 drogas) e com o dilema de revelar ou esconderque são soropositivos. Se foram uma incógnita para os pesquisadores, que não sabiam como se desenvolveriam e quanto tempo resistiriam, eles agora dão uma resposta para a ciência:podem levar uma vida normal.Tentam compensar a limitação física se esforçando nos estudos ou no trabalho e se agarram ao lado leve da vida."Os jovens que acompanho saem com os amigos, vão a shows, a baladas, viajam, quase todos namoram", diz o infectologista Sidnei Pimentel,do  Centro de Referência e Treinamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids (CRT/Aids).

A ROTINA
      O paulistano Pedro tem 19 anos. Como 90% dos casos de transmissão vertical, ele pode ter sido infectado no parto, quando pele e mucosas entram em contato com o sangue da mãe. Gosta de ler jornais e revistas, se anima quando arruma uma discussão sobre política e entende de black music. Apesar de apresentar os sintomas e de estar bem mais magro, sente que já superou o pior.


     "Quando me contaram, aos 8 anos, que era portador do vírus, tive medo, pensei: ‘Vou morrer logo’. Depois, vi que não era bem assim, que havia um monte de gente morrendo por outras causas", diz ele, que já enfrentou várias doenças oportunistas. O desconforto atual de Pedro é a discriminação profissional. Nos processos de seleção, tudo vai bem até a etapa do teste de saúde. Acaba reprovado ao comunicar, aos que solicitam exames de sangue, que é portador do HIV.


    "Aí, inventam uma porção de desculpas e me dispensam. Nunca alegam que é por causa da aids, porque sabem que conheço meus direitos e iria denunciá-los." Mesmo assim, aposta no futuro: quer seguir com os planos de estudar computação, casar e construir uma família. "Ter o vírus não é uma realidade que fica o tempo todo martelando a minha cabeça", afirma. Pedro só não esquece que o portador do vírus precisa ser responsável na relação sexual. "Meu pai e minha mãe foram muito inconseqüentes, transaram sem camisinha, e ele usava drogas. Resultado, quem está pagando por isso sou eu", conta Pedro, que, órfão desde cedo, chegou a morar numa casa de apoio para crianças portadoras de HIV.

O SEXO
   A primeira transa, o medo de contaminar o parceiro ou de ser rejeitado por ele mobilizam essa geração. Aos 15 anos, a paulistana Ana não beijava na boca se tivesse afta. Se as carícias ficavam quentes, ela dava um jeito de esfriar o namorado. "Não sabia como poupá-lo do vírus." O romance acabou um ano depois, por pressão da mãe do garoto, que fez de tudo para ele se afastar da namorada soropositiva. Aos 17, Ana conheceu outro rapaz pela internet. Foi com ele que deixou de ser virgem. "Eu estava menstruada e não havia contado que tinha o vírus." Na época, ela ensinava, numa peça de teatro, a colocar a camisinha, mas se atrapalhou na hora de pôr as lições na prática. "A iniciativa partiu dele. Me passou tanta segurança que o sexo rolou." Ana, então, revelou ser portadora: o rapaz arregalou os olhos e saiu calado.


   Ela dava o romance por encerrado quando, ainda no ônibus, o celular tocou. Era ele dizendo que tudo continuaria como antes. Como outra pessoa qualquer,um soropositivo tem que adotar a  camisinha, e, se ela furar, deve agir rápido. Isso significa levar o parceiro, em até 72 horas, ao sistema de saúde para a profilaxia pósexposição, que reduz a possibilidade de contágio. No caso de a dupla resolver ter filhos, é imprescindível que a mulher infectada use a medicação anti-retroviral durante a gravidez e o parto. O risco de transmitir o vírus para o bebê, antes de 25%, com o tratamento caiu para 2%.

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