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Projeto de lei que penaliza alunos na escola é desnecessário

2016-07-13 09:03:00

Inconstitucional, aberração legislativa, monstrengo jurídico, discriminatório e preconceituoso, populista e punitivo: esses foram alguns adjetivos utilizados por especialistas em educação, direito, psicologia, professores e estudantes em audiência pública que debateu na quarta-feira (6) o Projeto de Lei 219/2015, que dispõe sobre a aplicação de punições com fins educativos a alunos que causarem danos no ambiente escolar da rede pública estadual.

“A Secretaria de Estado de Educação do Mato Grosso do Sul considera desnecessário o encaminhamento do PL 219 nesta Casa de Leis, uma vez que já foi publicado em Diário Oficial um novo Regimento Escolar válido para toda a rede de ensino, inclusive no que tange aos atos de indisciplina”, acrescentou a coordenadora de Gestão Escolar da Secretaria de Estado de Educação (Coges/SED), Mary Nilce Peixoto dos Santos.

A autoria do projeto é do deputado Lídio Lopes (PEN) e dá aos diretores das escolas públicas a prerrogativa legal de arbitrar e impor punições – como limpeza de banheiros, pintura de muros pichados, lavagem de pátios e quadras poliesportivas – aos alunos que cometerem atos de vandalismo dentro do ambiente escolar.

O texto foi fundamentado na experiência do Promotor da Infância e Juventude de Campo Grande, Sérgio Harfouche, que esteve presente na audiência para defender o projeto. “A aplicação de reparação de danos no ambiente escolar é uma forma de proteção integral, uma vez que evita que o adolescente vá parar na delegacia. Percebemos que os regimentos escolares possuem medidas de advertência, sem penalidades. Por isso, a importância de instituir a reparação pelos danos causados”, alegou.

O Defensor Público da Infância e da Juventude, Eugênio Luiz Damião, elogiou a “boa intenção” do PL 219/2015, mas mostrou-se contrário de forma incisiva ao teor do texto.

“Com todo o respeito ao meu colega Harfouche, mas considero esse PL 219 um “monstrengo jurídico”, uma forma de não comunicar um crime à autoridade judiciária”, resumiu ele, alegando que o documento vai contra o ECA (Estatuto da Infância e do Adolescente), contra a Constituição Federal, fere os tratados internacionais, a Carta de Nova Iorque, assinada por 150 países, as convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho), ratificadas pelo Brasil, e o princípio da legalidade expresso no artigo 1º do Código Penal Brasileiro, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

“Quando o legislador cria uma lei com caráter punitivo, tem de obrigatoriamente colocar a figura típica e a punição respectiva. Onde está escrito nesse projeto as infrações disciplinares da escola e o tipo de punição?”, indagou o defensor público, que aproveitou a ocasião para mandar um recado a todos os gestores da rede municipal de ensino, onde projeto semelhante (PL 8062), dos vereadores Carlos Augusto Borges (PSB) e Herculano Borges (SD) e sancionado pelo prefeito Alcides Bernal, já está em vigor desde setembro de 2015.

“O que estou colocando aqui vale para todos os diretores, professores e funcionários das escolas que já estiverem aplicando essa lei municipal: o Ministério Público vai apurar caso a caso e os senhores estarão sujeitos a sanções nas três áreas, ou seja, administrativa, civil e criminal, correndo até o risco de perder o cargo público, pois está sendo criado nessas escolas um juízo de estado de exceção”, concluiu o especialista, lembrando o PL fere frontalmente o princípio constitucional da Reserva Jurisdicional, que reserva ao Poder Judiciário a primeira e última palavra na aplicação de sanções e medidas socioeducativas.

Para o especialista em psicologia social e coordenador do Programa Escola de Conselhos da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Estudantis da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), José Ângelo Motti, não é por intermédio de punição que resolve a violência. “Não reduz criminalidade punindo-se crianças e adolescentes, criminosos são aqueles que não asseguram seus direitos. Temos que tratar as crianças como seres plenos. Temos de discutir as causas da violência, isso sim. E tratar a questão de forma humanizada, porque uma educação eficaz se consegue a partir do estabelecimento de vínculos. Elas têm direito de ter uma politica pública que atenda as suas necessidades”, reforçou o coordenador.

Na mesma linha o doutor em educação e professor da UFMS, Paulo Cesar Duarte Paes, apresentou sua reflexão com base nos 34 anos de pesquisa na área da educação.

“Nunca houve um grande pedagogo que defendesse a punição como forma de educar e de disciplinar. Só é possível educar com vínculo e limite. Trabalhei durante oito anos com meninos de rua em clínicas de dependentes químicos e digo que qualquer forma de penalização exemplar é a forma mais antipedagógica que se pode tomar e vai levar a um processo destrutivo. Não trata a origem do problema e sim da consequência dele”.

Também presente na audiência, o autor do PL 219/2015, deputado Lídio Lopes, defendeu o objetivo da proposição. “A proposta foi formulada com a finalidade de que possamos começar a frear um pouco as coisas. Eu vejo uma geração totalmente desenfreada. Eu vim de uma criação rígida, mas sempre tive muito respeito por tudo. É uma medida para frear e construir limites. É uma oportunidade de construir com o projeto”.

A vice-presidente da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul (Fetems), Sueli Veiga Melo, contestou: “A escola é um espaço de formação coletiva do conhecimento e não de punição. Agressões físicas e verbais trazem inseguranças para todos, mas a violência não é um problema da escola, é um problema que se manifesta na escola. A violência é fruto do meio social, econômico, dos problemas dentro da família e deve ser debatida amplamente por todos os envolvidos”.

Justiça Restaurativa

Presente na mesa de especialistas, a coordenadora do Projeto Justiça Restaurativa na Escola, Valquiria Régua, levantou a bandeira da justiça restaurativa como solução para o problema da violência expressa nas escolas.

A Secretaria de Educação do Estado, inclusive, assinou recentemente um acordo de cooperação técnica com o Tribunal de Justiça de MS para a implantação do Projeto Justiça Restaurativa nas Escolas, nos estabelecimentos de ensino da rede estadual de MS.

“A justiça restaurativa trabalha na cultura de paz na sociedade e eu acredito na justiça restaurativa e o Mato Grosso do Sul é pioneiro neste processo”. E o coordenador do Fórum da Juventude de Campo Grande, Walkes Vargas complementou “É papel nosso como cidadãos fazer que as escolas sejam espaço para construir autonomia, e não pessoas que vão para aqueles espaços para serem punidos. É necessário criar uma cultura de paz nas escolas.”

O deputado Pedro Kemp, um dos proponentes da audiência, também defendeu a construção coletiva.

“A intenção de debater é porque é um projeto polêmico e é nosso dever consultar a população e todos os envolvidos para que possamos amadurecer o entendimento e para assim podermos defender nosso voto. Palmatória, ajoelhar no milho, isso é retroceder. A educação está em crise, a escola está em crise e em período de crise crescem de forma sectária. Eu estou preocupado com esse pensamento. E quanto ao mérito do projeto a intenção do projeto é boa, na ideia de buscar uma alternativa para a violência e indisciplinaridade nas escolas, mas vejo que o PL pode ajudar na proposta da justiça restaurativa”.

Encaminhamentos

Conforme o deputado João Grandão, um dos proponentes do evento e que presidiu a mesa de debates, será apresentado pela Bancada do PT na Casa de Leis um projeto substitutivo em relação ao PL 219/2015. O parlamentar esclareceu que o projeto terá como base o modelo de justiça restaurativa.

"Iremos realizar uma nova audiência, desta vez para construirmos juntos um projeto mais alinhado com o que todos nós, não só membros do Executivo, Legislativo e Judiciário, mas também diretores, professores, psicopedagogos, pais e alunos, acreditamos ser uma educação pública democrática, justa e humana", disse. 

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